Lula candidato?

A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/10), que completou 10 anos em junho do ano passado ano, que possui abrigo no artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, trouxe alterações importantes para a Lei Complementar nº 64/90, que prevê as hipóteses de inelegibilidades não constitucionais, que são as causas que restringem o candidato a disputar mandato eletivo.

Nesse panorama legislativo, a Lei da Ficha Limpa possui regras materiais e processuais que alteram de forma resoluta o processo contencioso eleitoral, bem como os efeitos secundários, por exemplo, na amplitude do prazo de inelegibilidade para 8 (oito) anos decorrente de ilicitudes apuradas em processos judiciais de outros órgãos do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do controle punitivo administrativo de pessoas jurídicas.

Assim, referida legislação trouxe a previsão de plena aplicabilidade das restrições após decisão incidente em segundo grau de julgamento, por órgão colegiado, o que fora validado pelo STF, no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade nº 29 e 30, o que, na grande maioria dos casos, não incide de modo automático, dependendo de interpretação e análise minuciosa da Justiça Eleitoral e da jurisprudência pátria, razão pela qual, por exemplo, o fato do pretenso candidato possuir uma condenação por ato de improbidade administrativa ou ter as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas não significa necessariamente que o mesmo esteja inelegível, situação que se difere nos casos de condenação criminal.

Nesse aspecto, A Lei Complementar nº 64/90, traz, na alínea “e”, do artigo 1º, inciso I, de modo objetivo, a previsão de inelegibilidade, em resumo, daqueles “que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”, para determinados crimes, incluindo, neste rol, os crimes praticados contra a administração pública e o patrimônio público, de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, etc.

Desse modo, com as condenações do ex-presidente Lula em segunda instância, por órgão colegiado da Justiça Federal, decorrentes da Operação Lava-Jato, este se tornou inelegível para as eleições que ocorressem até 8 (oito) anos após o cumprimento das penas aplicadas, causa restritiva que foi considerada quando do seu Requerimento de Registro de Candidatura nas Eleições de 2018, conforme expressamente declarado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Fato é que a norma insculpida na alínea “e”, da Lei da Ficha Limpa, indica que a inelegibilidade é um efeito automático da decisão colegiada de segunda instância, por haver, até então, condenação, no caso, por crimes contra à Administração Pública e de lavagem de dinheiro, não havendo necessidade, no caso, como dito acima, da análise pela Justiça Eleitoral da ocorrência de dolo ou qualquer outro requisito, bastando a simples ocorrência da condenação criminal colegiada.

Ocorre que, sem adentrar ao mérito da decisão tomada pelo Eminente Ministro Fachin, com a anulação dos processos criminais contra o ex-presidente Lula, em decorrência do reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo da 13ª. Vara Federal de Curitiba, todos os processos retornam a fase inicial instrutória e deverão ser remetidos ao Juízo competente, no caso, a Justiça Federal do Distrito Federal, razão pela qual, como se tornam nulas as condenações colegiadas de segunda instância, a causa de inelegibilidade que o impediu de ser candidato em 2018 deixa de ter eficácia.

Além desse fato, uma outra hipótese que deve voltar ao cenário jurídico de discussão é o fato de que, embora a Lei da Ficha Limpa tenha sido considerada constitucional pelo STF, com a decisão que reconsiderou a validade da prisão após condenação criminal em segunda instância, a mesma que há havia permitido a libertação do ex-Presidente Lula em outra ocasião, poderemos ter, ainda, uma revisão na eficácia da incidência das inelegibilidades, uma vez que a decisão que considera inelegível candidatos condenados em segunda instância acabaria, por certo, seguindo a mesma sorte daquela.

Por certo que, desconsiderando essa segunda hipótese que afastaria a inelegibilidade do ex-presidente Lula, o caso em análise (referente a anulação dos processo criminais) ainda trará muito questionamento, além do que poderá ser alterado no próprio STF, com revisão da decisão exarada pelo Eminente Ministro Fachin, o que, caso contrário, não permitirá, no âmbito eleitoral, por esses fatos, a discussão acerca da eventual inelegibilidade do ex-presidente, caso esse pleiteie a sua candidatura em 2022, uma vez que a causa caracterizadora da inelegibilidade referente a crime é objetiva, ou seja, depende tão somente da existência da condenação criminal colegiada ou transitada em julgada.

Ademais, cumpre explicitar que, além de caracterizar crime eleitoral, com pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa, a imputação de inelegibilidade, quando, em suma, arguida de forma temerária ou de manifesta má-fé, conforme já decidiu inúmeras vezes o Tribunal Superior Eleitoral (AgR-Respe 279-37; AgR-RO 1085-96; ED-RO 703-11; RO 884-67), é pacífico o entendimento no sentido de que o regime de inelegibilidades do sistema jurídico brasileiro deve ser interpretado de forma cuidadosa e restritiva, a fim de possibilitar com isso uma intervenção minimalista da Justiça Eleitoral nos rumos e destinos dos processos eleitorais, evitando excessiva e indevida judicialização da política.

Portanto, por ser causa caracterizadora de inelegibilidade, a ocorrência de condenação proferida por órgão judicial colegiado, uma vez que houve a anulação das condenações criminais do ex-presidente Lula, decorrentes da Operação Lava-Jato, por certo não há fundamento jurídico para impedir o seu registro de candidatura, nem a posse, caso eleito, desde que esta condição perdure até a data da diplomação, que deverá ocorrer entre meados de novembro e dezembro do ano de 2022, uma vez que a causas superveniente que conduzam a inelegibilidade devem ser verificadas até este momento processual e isso se aplica – e assim deve ser feito – a qualquer cidadão-candidato. E, assim sendo, o ex-presidente Lula, goste ou não, por uma questão legal e constitucional, só não será candidato em 2022 se não quiser.

*Amilton Augusto, advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-presidente da Comissão de Relacionamento com a Alesp da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas Sesi e Senai (Ciesp/Fiesp). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor

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