O que prefeitos devem ter em mente para gerir a educação de seu município?

Os gestores dos municípios precisam conhecer conceitos básicos sobre educação para entender o que compete a cada instituição pública de sua cidade

A educação é uma das áreas mais essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade. No Brasil, o Estado tem a obrigação de oferecer educação formal para todas as crianças e adolescentes. Como o Estado brasileiro tem a forma de uma federação, ou seja, composto de unidades federativas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), as responsabilidades pelos mais diversos serviços públicos acabam sendo distribuídas entre essas unidades. É até por isso, que para exercer sua função, todo prefeito, prefeita precisam entender os fundamentos das várias áreas de atuação da Prefeitura, como, por exemplo, abastecimento, saneamento, saúde pública, transportes e mobilidade urbana, código de trânsito e uma das principais, claro, a educação.

“Não basta saber a nota que o município tirou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), é preciso entender o que leva o município a atingir uma determinada nota. Não basta escolher um secretário por critérios de acerto de contas político, lealdade ou mesmo competência. Quem responde perante a população é o prefeito e sua equipe o faz apenas por delegação”, explica o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araújo e Oliveira. 

Segundo Oliveira, ainda em 2021, muitos prefeitos até se preocupam com a educação, mas não têm total controle municipal sobre seus distritos e áreas escolares, nem muito meno diálogo o bastante com suas equipes, o que implica bastante no desenvolvimento do gerenciamento da pasta de Educação.

Em conversa com o site americano Govex, profissionais dos Estados Unidos, como John F. Elcesser, Diretor Executivo da Associação de Educação Não-Pública de Indiana (INPEA), e David Harris, do The Mind Trust, de Indianápolis, falaram sobre o assunto, bem como sobre a diversidade de opções de educação. A conversa revelou recomendações para prefeitos e gestores municipais que desejam assumir questões de educação. Confira as informações a seguir!

Diálogo

Ao considerar as opções de políticas para a reforma educacional, é fundamental convidar especialistas em educação, bem como pessoas com experiência local. Os prefeitos podem e devem servir como convocadores de parceiros da educação, convidando representantes de todos os setores da educação, pais, professores, reformadores da educação e líderes políticos para participar de conversas significativas sobre a melhor maneira de melhorar os resultados para os alunos de seus municípios.

Bart Peterson, prefeito de Indianápolis de 2000-2008, conseguiu inaugurar uma agenda de reforma das escolas com uma mensagem colaborativa sobre o levantamento de todos os setores da educação, ao invés de colocar a responsabilidade em qualquer modelo específico. As discussões sobre a reforma escolar incluíram líderes políticos, reformadores da educação, líderes empresariais e representantes legais e privados. Essa abordagem colaborativa acabou levando a uma iniciativa chamada Innovation Network Schools, que visa melhorar o sistema de escolas públicas.

O programa da Mind Trust, Indianapolis Public Schools (IPS) e do Mayor’s Office e o Innovation Network Schools oferece recursos, liberdade operacional e acadêmica para transformar ou criar escolas inovadoras. As Escolas de Inovação (como são conhecidas) alcançaram taxas de aprovação mais altas, o que é uma indicação inicial de que essa estratégia já está funcionando.

Qualidade

Os prefeitos devem considerar medidas de resultado focadas no que eles podem controlar: se o prefeito não tiver autorização em sua cidade, considere medidas que rastreiam parcerias financiadas e não financiadas. Por exemplo, ReinventSchools (Reinvente Escolas) é uma parceria com a cidade de Las Vegas, Clark County School e organizações sem fins lucrativos locais, que fornece recursos adicionais para algumas escolas com baixo desempenho para melhorar o desempenho acadêmico. O prefeito e o gerente da cidade monitoram os resultados no aumento da graduação do ensino médio, melhorando a preparação para o jardim de infância e outras medidas por meio do programa de gestão de desempenho da cidade.

Além disso, a cada ano, o Escritório de Inovação Educacional de Indianápolis avalia as escolas patrocinadas por prefeitos com base em uma estrutura de desempenho que inclui questões sobre resultados educacionais além de notas de testes, incluindo saúde fiscal, eficácia da organização e condições para o sucesso. Isso permite a análise do que está acontecendo na escola sem comprometer a autonomia da escola. Como resultado, o sistema de escolas de Indianápolis tem altos índices de satisfação entre pais e funcionários e alunos.

Dia a dia

Bem, como já foi dito, no Brasil, durante o seu trabalho com a pasta de Educação, os prefeitos e prefeitas têm como um dos desafios, a questão do bom diálogo com seus interlocutores e claro, a equipe que compõe toda a Prefeitura.

Um prefeito que nunca trabalhou em conjunto com a pasta de Educação dificilmente conhece as demandas que envolvem o trabalho de uma secretaria. Da mesma forma, um gestor com experiência em outras áreas pode não saber das peculiaridades da área. 

Secretaria X Prefeitura

Segundo a Secretária Municipal de Paranaguá, PR, Tenile do Rocio Xavier, não basta ter domínio de práticas de sala de aula e nem ser um bom gestor. É preciso conhecer sobre Educação e saber da importância de formar os profissionais que trabalham na área, conhecer a realidade da gestão pública, bem como a legislação que a orienta e ainda administrar os recursos financeiros. Mais do que isso: o gestor deve ter claro que todas essas ações precisam ter como foco a aprendizagem dos estudantes.

Para Tenile, o secretário (ou dirigente) municipal de Educação é quem faz a gestão das políticas municipais da área. Ele coordena e conduz os processos da secretaria, favorecendo que a equipe trabalhe de maneira articulada para consolidar o plano de governo da prefeitura e cumpra o planejamento estratégico estabelecido. Os conhecimentos relativos à sala de aula ou gestão escolar são muito importantes, mas a secretaria não é a ampliação da administração realizada em uma escola.

“Os desafios são muitos, mas acreditar que uma educação pública de qualidade é possível é o que tem me movido. Pensar que é uma missão dar continuidade a um trabalho iniciado de outra gestão. Conquistas e avanços em estrutura e qualidade no atendimento aos nossos alunos é o maior desafio. No entanto, tenho uma equipe muito competente”, explicou Tenile.

Estratégias

O Conviva, plataforma de especialistas que integram as equipes das secretarias municipais de Educação elegeram algumas das responsabilidades que devem ser tratadas de maneira recorrente e constante por prefeitos e prefeitas. Veja a seguir:

Geralmente, a secretaria de Educação detém um dos maiores orçamentos da prefeitura pela quantidade de funcionários envolvidos e abrangência das escolas em grande parte do município. É essencial que o secretário de Educação, portanto, mostre ao prefeito ou à prefeita a importância da área, com grande capilaridade no território e massivo contato com a comunidade, oferece condições políticas e sociais para que o governo faça a diferença no município. Claro que o setor necessita de investimentos, mas os resultados são evidentes na diminuição da desigualdade social, contribuindo para que as outras políticas se sustentem de forma efetiva.

Nessa relação com a prefeitura, deve ser possível:

— Definir em parceria o uso dos recursos financeiros, assegurando que sejam aplicados devidamente, conforme a legislação e com objetivo de fortalecer o setor;

— Conquistar um canal direto e constante. Ouvir o que o prefeito pensa sobre Educação e quais seus desejos e planos, em simultâneo, mostrar, com conhecimento técnico e profundo, dados sobre a Educação nacional, estadual e municipal;

— Lutar para uma política de continuidade. O secretário pode indicar ao prefeito o histórico da política de Educação realizada na rede e orientar para que as ações não sejam restritas àquele mandato, mas que intervenham no comportamento, na mudança de cultura e na constância;

— Construir um contato de confiança, transparência e autonomia.

Articulação

O setor financeiro, de planejamento, administrativo, de transportes ou de agricultura, por exemplo, são parceiros para que os serviços prestados aos estudantes tenham resultados satisfatórios. Por isso, é essencial estar em constante contato com elas, conhecer as realidades de cada um e ter clareza para explicar e defender as necessidades da Educação. Da mesma forma, uma política de Educação robusta traz impacto em outras áreas. O trabalho integrado contribui para que os programas e projetos desenvolvidos sejam mais permanentes.

— Fazer raio-X com periodicidade: devem ser realizados diagnósticos internos, dos processos de cada setor da secretaria, e externos, para identificar nas escolas os problemas que precisam ser resolvidos. É essencial analisar profundamente a organização da estrutura administrativa e estudar as políticas que têm sido realizadas no município nos últimos anos, conhecendo o histórico de trabalho;

— Criar planos de ação: com base nos diagnósticos, definir os caminhos para alcançar as soluções, desenhar um cronograma e colocar em prática as ações;

— Manter um olhar amplo: atenção para a infraestrutura das escolas, a merenda, o transporte, a relação com a comunidade, o uso dos recursos públicos e a aprendizagem. Afinal, as áreas se complementam;

— Analisar os resultados: estar atento aos indicadores de aprendizagem e planejar ações com todo o quadro de educadores para melhorar o desempenho dos estudantes;

— Ter atenção aos recursos financeiros: as verbas da Educação devem ser administradas conforme manda a lei. Há diversas peculiaridades sobre como e quando utilizá-las. Cabe à equipe conhecer o funcionamento do orçamento para tornar o trabalho mais ágil e correto, e estabelecer parcerias com outras áreas da prefeitura sempre que necessário.

— Relação com a comunidade: a secretaria de Educação trabalha a serviço da comunidade. Mostrar quais ações estão sendo feitas, o objetivo e a progressão de cada uma devem fazer parte das etapas de trabalho. Pense, por exemplo, de que forma comunicar o currículo do município e como orientar as escolas para a apresentação do projeto político-pedagógico aos estudantes e seus responsáveis. Planeje também as divulgações sobre prazos de matrículas, férias, reuniões, festas e demais eventos e atividades. Mantenha aberto um canal de contato com a comunidade!

Trabalhar em parceria

A articulação com outras secretarias municipais e com o prefeito é essencial para que as ações sejam sustentáveis e cumpram o plano de governo planejado. Um exemplo que deu certo 

Exemplo a ser seguido

Sobral é uma cidade localizada no interior do Estado do Ceará, com população estimada de 208 mil habitantes e IDHM estimado de 0,714 em 2010. Partindo dessas duas características, Sobral poderia ser apenas mais um município comum dentre os 5.570 existentes no país. Contrariamente, se tornou famoso no Brasil — e no mundo! — por conta de uma conquista exemplar: a sua escalada na qualidade da educação no decorrer das duas últimas décadas. 

Ranking 

A principal medição da qualidade da educação no Brasil é realizada através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), um indicador de desempenho administrado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC). O cálculo do Ideb considera o aprendizado dos alunos nas disciplinas de português e matemática (Prova Brasil) e o fluxo escolar (taxa de aprovação) e sua pontuação varia de 0 a 10. 

Em 2005, Sobral obteve a nota 4.5 no Ideb em relação aos primeiros anos do ensino fundamental (que representam do 1º ao 5º ano de ensino). Em 2017, a nota do município saltou para 9.1 em relação aos mesmos anos de ensino. O resultado corresponde ao impressionante aumento de 4.6 pontos em apenas 12 anos. O gráfico abaixo expõe de forma clara a trajetória de aumento do Ideb de Sobral no período comentado: 

A média nacional do Ideb em relação aos primeiros anos do ensino fundamental em 2017 foi 5.8, número bastante inferior à nota alcançada por Sobral. O gráfico abaixo mostra o avanço de Sobral, do Ceará e do Brasil no Ideb do Ensino Fundamental entre 2005 e 2015: 

Mas os resultados de Sobral não param por aí. Em relação aos anos finais do ensino fundamental (que representam do 6º ao 9º ano de ensino), a nota do município foi 7.2 em 2017, resultado novamente bastante superior à média nacional, de 4.7. 

Esses números fazem com que, atualmente, Sobral seja a cidade do país com as maiores notas no Ideb quanto ao Ensino Fundamental. O avanço do município na educação nos faz questionar: qual a receita de sucesso utilizada para alcançar tais resultados?

A fórmula 

Em entrevista dada ao Uol, o então secretário de educação de Sobral, Francisco Herbert Lima Vasconcelos, revelou que o principal fator do modelo educacional do município é a valorização da alfabetização na idade certa, promovida a partir de materiais didáticos estruturados. O projeto foi implantado ainda em 1997, quando a rede municipal de ensino de Sobral iniciou diversas transformações. 

Na época, pesquisas realizadas pelo Instituto Ayrton Senna no município apontavam que 40% das crianças de 08 anos em Sobral não sabiam ler quando finalizavam o segundo ano do ensino fundamental. A instituição apoiou a realização de uma reforma no sistema educacional da cidade, que teve dois objetivos:

1) alfabetizar todas as crianças até os 07 anos;

2) corrigir o fluxo escolar de alunos que cursavam séries mais avançadas sem ler e escrever adequadamente. 

Eixos

  •  Francisco Herbert Lima Vasconcelos destacou ainda que além da elaboração de materiais didáticos de qualidade, Sobral também adotou uma série de medidas ancoradas em três eixos: 
  • Fortalecimento da gestão escolar, através do qual diretores e coordenadores de ensino passaram a ser selecionados por meio de concurso público, com análise curricular e de formação, ao invés de indicação política;
  • Qualificação do trabalho nas aulas, que contou com a criação de uma escola de formação continuada dos professores, de modo a auxiliar no planejamento das aulas e na elaboração de materiais didáticos adequados;
  • Valorização dos profissionais, através de pagamento de bonificação e gratificação no contracheque dos professores, atrelado ao alcance de metas de aprendizagem, medida instituída por lei municipal.

Caminhos a serem seguidos

Em 2020, o Banco Mundial divulgou relatório com uma análise das razões do bom desempenho de Sobral em avaliações de aprendizagem. O documento foi intitulado “Alcançando um Nível de Educação de Excelência em Condições Socioeconômicas Adversas: O Caso de Sobral”. Nele, os autores Louise Cruz e André Loureiro destacaram quatro pilares que julgaram importantes para o êxito da política educacional de Sobral. Esses pilares replicam bastante os três eixos destacados pelo secretário Francisco Herbert Lima Vasconcelos, além de destacar outros pontos. São eles: 

  • Uso efetivo das avaliações de desempenho dos alunos, através da aplicação de provas municipais padronizadas e focadas em medir o desempenho de competências dos alunos, além daquelas aplicadas pelas escolas.
  • Currículo com foco e com uma sequência clara de aprendizado, priorizando as habilidades fundamentais, construído com a participação da comunidade.
  • Professores preparados e motivados, através de seleção meritocráticas, formação contínua e incentivos financeiros atrelados a resultados.
  • Gestão escolar autônoma e responsável, novamente, com diretores escolares nomeados por meio de critérios seletivos técnicos e meritocráticos.

Curiosidades 

No relatório do Banco Mundial, apesar de ser destacado que Sobral obtém altíssimos resultados em avaliações educacionais mesmo investindo menos que a média do Brasil, é apontado que o município aumentou consideravelmente o investimento por aluno nas últimas décadas. O valor passou de US$ 543 em 2001 para US$ 1.340 em 2015. 

Também vale destacar que uma crítica de educadores direcionada ao modelo educacional de Sobral é a clara preparação dos alunos para a realização de avaliações. Assim, o valor dado pelo município às avaliações externas é criticado pelo foco da política educacional da cidade em ensinar para testes. Educadores também ressaltam que a qualidade da educação não pode ser medida somente por indicadores, devendo considerar outras facetas do ensino que não podem ser medidas em provas objetivas. 

De qualquer forma, é impossível negar a transformação que Sobral realizou em seu cenário educacional, através da utilização de técnicas de gestão, estratégia, foco, e investimento adequado. 

Texto Editado por Diana Bueno

Com informações da Undime, Conviva, Governo Federal, Prefeitura de Sobral e Prefeitura de Paranaguá

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