Crédito: Etapa final do seminário foi aberta nesta segunda (19) e discussões prosseguem até esta quarta (21). Foto: Guilherme Dardanhan
Palestra que abriu etapa final de seminário da ALMG enfatizou necessidade de uma legislação estadual que não se restrinja a ações de combate à discriminação
“Não estamos fazendo um estatuto para as minorias. Estamos desenhando propostas políticas para a maioria”. A afirmação foi destacada, em palestra que marcou a abertura da etapa final do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial.
O evento, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), visa ampliar o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 817/23, que institui o Estatuto da Igualdade Racial em Minas Gerais. Essa matéria tem como objetivo garantir políticas públicas para promover o combate à discriminação e para assegurar à população negra, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais direitos individuais, coletivos e difusos.
O PL 817/23, de autoria das deputadas Macaé Evaristo (PT), Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT) e Leninha (PT), aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O pesquisador João Carlos Nogueira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi o responsável pela palestra magna de abertura e parabenizou a iniciativa que levará Minas Gerais a ser mais um estado entre aqueles que possuem estatuto da igualdade racial.
“Onde há estatuto racial aprovado, estamos consolidando a democracia brasileira”.
João Carlos Nogueira
pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina
O palestrante fez um resgate histórico da luta pela construção de políticas públicas raciais, começando pelo ano de 1986, quando o Movimento Negro já atuava por uma Constituinte que considerasse suas especificidades.
Ele lembrou que, recém-saídos da ditadura, parlamentares negros como Paulo Paim e Benedita da Silva travaram batalhas para garantir na Constituição Federal de 1988 o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial.
João Carlos Nogueira destacou ainda dessa época a criação da Fundação Cultural Palmares em 1988; a Lei 7.716, de 1989, que tipificou o crime de discriminação racial; e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assegurou o direito à terra para comunidades remanescentes de quilombos.
Em sua retrospectiva, João Carlos Nogueira também lembrou que os anos 1990 e início dos anos 2000 estabeleceram um novo paradigma nas relações raciais do Brasil, a partir do reconhecimento das ideias de grandes pensadores negros como Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e a mineira Lélia Gonzales.
Esses avanços resultaram em importantes legislações, como as leis federais 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008, que incluíram nos currículos escolares as temáticas da história e cultura afro-brasileira e indígena. Em 2010, foi sancionado pelo presidente Lula o Estatuto Nacional da Igualdade Racial.
População negra é maioria
Para João Carlos Nogueira, essas políticas e legislações conquistadas ao longo dos anos têm uma dificuldade enorme de consolidação, pois buscam implementar ações em sistemas já existentes – sistema de saúde, de educação, de garantia da terra.
“Aqui, estamos buscando desenhar um sistema da igualdade racial”, enfatizou sobre a construção do Estatuto em Minas Gerais.
“As formas como o racismo se fortifica e se consolida – o racismo estrutural, ambiental, institucional – têm relação com disputas profundas no campo da economia e da política”, analisou ainda.
Para o pesquisador, é preciso compreender, na discussão do estatudo, que não se está falando de um projeto para negras e negros, mas de um projeto de nação que seja ancorado nas questões raciais.
“Não faz o menor sentido o Estatuto da Igualdade Racial de Minas Gerais, que tem mais de 55% da sua população negra, ser um estatuto para cuidar de minorias. O estatuto deve dialogar com o poder de Minas Gerais, com os recursos de Minas Gerais e com o projeto de desenvolvimento de Minas Gerais, porque nós representamos a maioria em Minas Gerais e no Brasil”, frisou.
Orçamento para políticas de igualdade racial tem defesa
Na abertura do seminário, parlamentares enfatizaram a importância da construção do Estatuto da Igualdade Racial para, além de trazer propostas de reparação e enfrentamento da discriminação no Estado, buscar orçamento para garantir a execução de políticas públicas para negros, indígenas e comunidades tradicionais.
Para as deputadas Leninha, 1ª vice-presidenta da ALMG, e Ana Paula Siqueira, presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, é fundamental que Minas conte com orçamento para a execução de políticas que cheguem na ponta, a quem precisa. “Esse é o verdadeiro sentido de todo esse trabalho”, destacou Ana Paula Siqueira.
A deputada Andréia de Jesus, presidenta da Comissão de Direitos Humanos, disse que o trabalho realizado é de grande responsabilidade pois busca reparar séculos de injustiças.
Segundo a deputada Macaé Evaristo, líder da Bancada Feminina, a construção do Estatuto da Igualdade Racial resulta de um trabalho longo. Como disse, as propostas elaboradas serão balizadoras não só para o projeto em tramitação na ALMG, mas também para o debate nos municípios.
Já o deputado Doutor Jean Freire (PT), líder da Minoria, garantiu que, como relator do projeto na CCJ, vai considerar todas as sugestões apresentadas pelos participantes do seminário.
Construção conjunta do estatuto é ressaltada
Juiz do Tribunal de Justiça do Estado, Leonardo Guimarães enfatizou, ainda na abertura do seminário, a legitimidade da construção conjunta de propostas para subsidiar o Estatuto da Igualdade Racial.
Concordou com ele a superintendente de Políticas Temáticas Transversais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Cíntia Mara Batista de Araújo, para quem todo o trabalho vai resultar em um documento robusto e norteador de políticas públicas.
Para o juiz federal Grigório Carlos dos Santos, além desses fatores, o estatuto ainda vai subsidiar também ações de vários órgãos na luta contra o racismo.
Segundo o defensor público João Mateus, o estatuto representa um avanço significativo na luta antirracista. “Ao propor um novo regramento legal, firmamos um novo pacto de engajamento por uma sociedade mais plural, democrática e antirracista”, afirmou.
Seminário
A etapa estadual do seminário legislativo prossegue até esta quarta (21). Participantes do evento vão acompanhar palestras com especialistas e se debruçar sobre propostas de ações de reparação histórica e de promoção da igualdade racial.
Essas propostas, aprimoradas em sete encontros regionais realizados no interior do Estado, foram agrupadas nas áreas temáticas:
- – Direito à vida digna, acesso ao meio ambiente saudável, ao trabalho, à justiça e à segurança
- – Combate ao racismo, ações afirmativas e diversidade religiosa
- – Financiamento de políticas públicas, representatividade e participação social
As propostas poderão se desdobrar em requerimentos, projetos de lei, emendas a proposições em tramitação e sugestões ao Orçamento do Estado.
Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais