Crédito: Foto Divulgação Freepik
A Edição 91 referente ao mês de Julho da Revista Prefeitos&Governantes abordou o tema em sua editoria de Infraestrutura e trazemos a integra da reportagem da redação
A maior parte das obras paradas nos Municípios são da educação, com 51%, seguidas da área da habitação com 22% de empreendimentos parados e saúde com 20% do total. Em municípios brasileiros, as obras de infraestrutura abrangem diversas áreas como saneamento, mobilidade urbana, contenção de encostas, habitação e turismo. Escolas, unidades de saúde, habitações populares e outras construções permanecem inacabadas, privando a população de serviços essenciais e evidenciando problemas de planejamento e gestão. Um estudo recente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revelou a dimensão desse problema crônico e apontou iniciativas que buscam destravar esses empreendimentos e evitar novos “elefantes brancos” espalhados pelo país. Construção inacabada de uma escola municipal em Carambeí, no Paraná, exemplifica o abandono de obras públicas no Brasil. Em cenários como este, cada estrutura não concluída representa um benefício prometido que não chegou à população – seja uma sala de aula, uma creche, uma unidade de saúde ou uma melhoria urbana. Além do impacto direto na comunidade local, as edificações inacabadas tendem a se deteriorar com o tempo, aumentando os custos e desafios para sua eventual conclusão.
Números Alarmantes
De acordo com o levantamento Panorama das Obras Públicas nos Municípios Brasileiros (CNM, 2024), existem 9.693 obras públicas paralisadas no país desde 2007, distribuídas em 3.132 municípios diferentes (cerca de 56% do total de cidades brasileiras). Essas obras inacabadas correspondem a um montante de R$ 63,1 bilhões em valores contratados ou empenhados (atualizados). Entre o valor empenhado e o efetivamente pago, falta o repasse de R$ 17,6 bilhões por parte do governo federal para que os projetos sejam concluídos.
Ademais, há R$ 13,6 bilhões que a União deveria ressarcir a municípios que decidiram finalizar obras com recursos próprios diante da omissão de verbas federais. Cada município afetado contabiliza, em média, três obras paradas. Mais da metade dessas construções inconclusas estão há muitos anos nessa situação: 53% das obras paralisadas estão sem avanço há mais de cinco anos, e pelo menos 340 projetos estagnaram por uma década inteira. Os números impressionam e ilustram o descaso e a incapacidade de sucessivos gestores em garantir a continuidade e entrega dessas políticas públicas.
| Parte das obras tem apenas o esqueleto iniciado, como esta no Jangurussu, em Fortaleza Foto: Fabiane de Paula Diario do Nordeste |

Setores Mais Afetados
As áreas de educação, habitação e saúde lideram em quantidade de obras paralisadas nos municípios. Juntas, elas respondem por cerca de 93% dos empreendimentos não finalizados. Somente a educação concentra 51% do total de obras paradas, seguida por projetos de habitação (22%) e de saúde (20%). Isso significa centenas de escolas, creches, unidades básicas de saúde e moradias populares que deveriam estar atendendo a população, mas permanecem indisponíveis. Em municípios brasileiros, as obras de infraestrutura abrangem diversas áreas como saneamento, mobilidade urbana, contenção de encostas, habitação e até turismo. Não é surpresa, portanto, que além dos setores sociais básicos, haja também obras públicas paradas em projetos viários, de saneamento básico e de incentivo ao turismo, entre outros. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) confirmam essa diversidade. Na educação básica, por exemplo, foram identificadas 3.580 obras interrompidas; já em infraestrutura de transportes e mobilidade são 1.854, em iniciativas de turismo 650, e em sistemas de saneamento 404.
Tipos de Obras Inacabadas
Os empreendimentos paralisados nos municípios vão desde pequenas melhorias até grandes obras estruturantes. Conforme a CNM, entre os projetos interrompidos estão:
| Viaduto construído na ERS-118 vai do nada para o lugar nenhum Foto: Beto Rodrigues DIVULGAÇÃO Jornal do Comércio RS |

Escolas e creches – construção de prédios escolares, ampliações e reformas em unidades de educação infantil e básica.
Pavimentação e vias – pavimentação asfáltica de ruas, abertura e melhoria de estradas vicinais (rurais) e avenidas.
Obras de urbanização e turismo – construção de orlas e calçadões, praças e outros equipamentos urbanos para lazer e turismo.
Habitação e saneamento básico – edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, implantação de redes de esgoto, estações de tratamento, melhorias sanitárias domiciliares e saneamento em áreas rurais.
Unidades de saúde – construção ou ampliação de Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPA), hospitais municipais e outros equipamentos de saúde pública.
Esses exemplos ilustram que a paralisação atinge tanto obras diretamente ligadas ao bem-estar social (escolas, casas, postos de saúde) quanto infraestruturas urbanas e econômicas (vias, drenagem, turismo), em projetos de diferentes portes.
Distribuição Regional
O problema das obras públicas inacabadas se espalha por todas as regiões do Brasil, mas Nordeste e Norte concentram os maiores números. Dos 9,7 mil empreendimentos parados levantados pela CNM, quase a metade está no Nordeste (cerca de 4.899 obras), enquanto a região Norte possui em torno de 2.005 obras paralisadas.
| Obra inacabadaInsira de Universidade do Estado do Amazonas Foto Revista Amazônia Latitude |

Juntas, Norte e Nordeste respondem por mais de 70% do total de obras municipais não concluídas, refletindo as dificuldades de investimento e conclusão de projetos em algumas das regiões historicamente mais carentes do país. Alguns estados destacam-se negativamente. Maranhão, Pará, Bahia e Minas Gerais concentram, em conjunto, 39% de todas as obras paradas mapeadas no estudo. Apenas no Maranhão são mais de 1,1 mil obras não finalizadas. Na Bahia, o total aproxima-se de 1.000; no Pará, de 900; e Minas Gerais contabiliza cerca de 700 projetos inconclusos. Esses números indicam que, em várias unidades da federação, o volume de construções paralisadas supera o de obras em execução, caracterizando um verdadeiro cenário de atenção. Outro dado preocupante é que, em diversos estados líderes em obras paradas, a demanda social reprimida – por exemplo, por vagas em creches ou unidades de saúde – permanece alta. Ou seja, justamente onde mais se precisa de novos equipamentos públicos, há muitos empreendimentos iniciados e não terminados.
Causas e Obstáculos para Conclusão
As razões por trás da paralisação de obras são múltiplas e frequentemente entrelaçadas. De maneira geral, estudos apontam problemas técnicos, financeiros e de gestão como os principais vilões. Uma análise da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) indicou que a baixa qualidade técnica de muitos projetos iniciais, aliada à inexecução de contratos por parte das empreiteiras contratadas e à falta de recursos ou cortes no orçamento durante a execução estão entre as principais causas das interrupções. Ou seja, obras começam sem um projeto detalhado e viável, enfrentam atrasos e aditivos, e muitas vezes a empresa responsável abandona o canteiro ou é incapaz de cumprir o contrato, enquanto os repasses financeiros emperram. Outros entraves burocráticos e legais agravam o quadro: dificuldades para obter licenças ambientais ou realizar desapropriações necessárias podem atrasar indefinidamente um projeto. A legislação de licitações impõe limites rígidos para ajustes no escopo do contrato durante a obra, mesmo quando surgem imprevistos. Além disso, a administração pública frequentemente tem dificuldade em renegociar contratos (reequilíbrio econômico-financeiro) diante de altas de custos, e vícios de origem como emendas parlamentares insuficientes ou falta de contrapartida municipal também comprometem a continuidade.
Até mesmo paralisações determinadas por órgãos de controle (Tribunais de Contas, Judiciário) ocorrem quando são encontradas irregularidades, interrompendo o andamento até que os problemas sejam sanados. Em resumo, a paralisação de obras é sintoma de planejamento deficiente, gestão pública ineficaz e excesso de burocracia, combinados à escassez de recursos e à instabilidade de políticas de investimento. Um acórdão recente do TCU mapeou de forma minuciosa todos esses gargalos estruturais e recomendou ações para corrigi-los e, assim, evitar o desperdício de dinheiro público no futuro.
| Obra de estação de BRT que foi abandonada no Grande Recife Foto: Reprodução/TV Globo |

Impactos do Abandono de Obras
Manter milhares de obras públicas inconclusas traz prejuízos enormes à sociedade. Do ponto de vista econômico, há perdas duplas: o investimento já realizado fica imobilizado sem gerar benefício, e retomar projetos parados torna-se mais caro com o passar do tempo. As estruturas já erguidas se degradam pela ação do tempo e vandalismo, exigindo gastos adicionais de recuperação quando a construção for reiniciada. Além disso, custos de materiais e mão de obra tendem a aumentar devido à inflação e às oscilações de mercado ao longo dos anos em que a obra fica parada. No âmbito social, os efeitos são diretos na população. Cada unidade não concluída representa um serviço público a menos disponível: creches, escolas, postos de saúde ou moradias que deixam de atender quem precisa, perpetuando carências nas comunidades.
Regiões com obras paradas veem agravar-se problemas como falta de vagas escolares, precariedade no atendimento médico local e déficit habitacional, apesar de já haver obras iniciadas com esse propósito. Em muitas cidades, essas construções inacabadas também geram insegurança (devido a terrenos abandonados, proliferação de vetores de doenças, ocupações irregulares) e frustração coletiva, minando a confiança da população na capacidade do poder público.
Iniciativas para Retomar e Prevenir Paralisações
Diante do quadro alarmante, esforços recentes estão em curso para retomar obras inacabadas e evitar que novos projetos sofram o mesmo destino. Em 2023, o governo federal lançou o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), prevendo investimentos robustos em infraestrutura com atenção especial à conclusão de empreendimentos estratégicos e à prevenção de tragédias. Nesta nova fase do PAC, prevenção de desastres naturais e drenagem urbana estão entre os focos prioritários, visando reduzir riscos de enchentes, deslizamentos e outros eventos que afetam muitas cidades. Os projetos selecionados para apoio financeiro buscam também promover melhorias na infraestrutura urbana e na qualidade de vida da população, garantindo que os investimentos cheguem efetivamente aos cidadãos.
Uma das primeiras iniciativas do Novo PAC foi direcionada à área da saúde: o Pacto Nacional pela Retomada de Obras Inacabadas da Saúde. Esse programa abriu, no final de 2023, a possibilidade de estados e municípios acessarem recursos federais para terminar 5.500 obras paralisadas de UBS, UPAs e outros equipamentos de saúde. Entretanto, a adesão das prefeituras está sendo um desafio; até o prazo final em março de 2024, apenas cerca de 23% dos municípios elegíveis haviam se cadastrado para receber os recursos e reiniciar as construções. Isso indica que é preciso intensificar a articulação e orientar os gestores locais para aproveitarem as oportunidades de financiamento, sob pena de muitas unidades de saúde permanecerem fechadas mesmo havendo verba disponível. Além da saúde, outras frentes do Novo PAC estão destinando verbas a setores cruciais nos municípios. Por exemplo, no início de 2025 o Ministério das Cidades abriu seleção de projetos de drenagem urbana e contenção de enchentes, disponibilizando R$ 2,5 bilhões para financiar obras de macrodrenagem em cidades com alto risco de inundações.
Essa medida une a conclusão de infraestruturas pendentes à execução de novas intervenções preventivas, atacando dois problemas de uma vez: finalizar o que está parado e evitar futuros desastres com obras estratégicas. Outra iniciativa importante é o Programa de Desenvolvimento Urbano – Pró-Cidades, que oferece linhas de financiamento para projetos integrados nas cidades. Diferentemente de convênios tradicionais, o Pró-Cidades permite aos entes locais obter recursos (via Caixa Econômica ou bancos regionais) para pacotes de obras que englobam múltiplas áreas urbanas de forma transversal. Atualmente, o programa disponibiliza cerca de R$ 2 bilhões em financiamentos de longo prazo para municípios implementarem projetos de reabilitação de áreas urbanas degradadas ou de modernização tecnológica dos serviços públicos.
| Construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, em foto de 2014: orçada em R$ 17 bilhões, obra não sairá por menos de R$ 30 bilhões. E está na mira da Lava Jato. (Foto: PAC/Governo Federal / Divulgação) |

Os projetos apoiados são integrados, ou seja, contemplam mais de um setor – por exemplo, uma mesma intervenção pode incluir a revitalização de um bairro com melhorias na iluminação pública, saneamento básico, mobilidade urbana e habitação de interesse social simultaneamente. Essa abordagem visa otimizar recursos e garantir que as obras tenham um impacto mais amplo e imediato na dinâmica urbana, além de reduzir a fragmentação de projetos que muitas vezes contribui para atrasos e abandonos.
Perspectivas
Enfrentar o legado das obras públicas paralisadas nos municípios brasileiros é um desafio que exige atuação conjunta e coordenada de todas as esferas de governo. A retomada dessas construções é fundamental para aproveitar os recursos já investidos e entregar à sociedade os benefícios prometidos, sejam novas escolas, moradias dignas ou sistemas de abastecimento e saneamento de qualidade. Por outro lado, prevenir que novas obras fiquem pelo caminho é igualmente crucial. Isso passa por aprimorar o planejamento e projeto dos empreendimentos, assegurar fontes de financiamento sustentadas e acompanhar de perto a execução, com transparência e controle social para evitar desvios e atrasos. Os programas recentes, como o Novo PAC e o Pró-Cidades, sinalizam uma prioridade governamental em destravar a infraestrutura urbana e social do país, atacando problemas estruturais e buscando maior efetividade na entrega de resultados. Se bem implementadas, essas iniciativas podem transformar o atual panorama – substituindo esqueletos de concreto por equipamentos públicos funcionando em benefício da população. O sucesso, contudo, dependerá de persistência política, gestão competente e colaboração federativa para que o Brasil dê fim ao ciclo de obras intermináveis e passe a inaugurar, cada vez mais, obras concluídas e plenamente aproveitadas.
Fontes: Estudo CNM 2024; TCU; Ministério das Cidades; Agência Gov; CBIC; Brasil61

