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Acelerar o uso de soluções na prestação dos serviços públicos exige mudanças na desburocratização pública

Até 2050, o mundo deverá abrigar 7 bilhões de pessoas em áreas urbanas — quase 70% de toda a população global, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, em muitos aspectos, o futuro já chegou, exigindo que a administração pública se apoie cada vez mais nos avanços tecnológicos para garantir o bem-estar das pessoas e, ao mesmo tempo, o uso racional dos recursos. “Hoje, a inteligência de dados se tornou o principal ativo da gestão pública”, avalia Vinicius Brum, graduado em Administração de Empresas e especialista em assuntos como Saúde, Educação, Saneamento e Serviços.

Brum esteve, em novembro do ano passado, no Smart City Expo World Congress, evento mundial focado em cidades inteligentes em Barcelona, na Espanha. “É consenso que, com uma população que caminha para ser majoritariamente urbana, as cidades precisam acelerar o uso de dados para prover melhores serviços com mais agilidade, incluindo o município na dinâmica pública”, diz ele. “O conceito de ‘smart city’ extrapola a digitalização de serviços públicos. Uma cidade torna-se inteligente também por ser inclusiva, colocando o cidadão no centro do processo de tomada de decisões da gestão pública”, completa.

São Caetano: a estrutura do sistema completo de videomonitoramento está subdividida em seis eixos: Infraestrutura, Centro de Controle de Operação (CCO), Datacenter, Equipamentos, Equipe e Manutenção. Crédito: Assessoria de Imprensa

Expo Barcelona

O Brasil foi destaque no maior evento mundial em cidades inteligentes, o Smart City Expo World Congress, realizado em Barcelona, na Espanha, no final de novembro. Além de um estande inédito na feira, o país levou a maior delegação de uma mesma nacionalidade para o evento. Boa parte também participou da Smart City Week – Comitiva Barcelona 2022, organizada pelo quinto ano consecutivo pela Global Business, La Salle Technova Barcelona e pelo hub iCities, que promove anualmente a edição brasileira do evento em Curitiba.

A comitiva reuniu representantes de 37 cidades de todas as regiões do Brasil, com 27 prefeitos e prefeitas de 16 estados, sendo quatro capitais: Curitiba, São Paulo, Florianópolis e Goiânia. Também estiveram presentes secretários dos governos do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso do Sul, o reitor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, além de diretores e representantes das Federações das Indústrias de São Paulo e Santa Catarina, entre outras entidades e executivos da iniciativa privada.

“Mais da metade da população mundial vive em cidades, e no Brasil já são praticamente 90%. Todo o desenvolvimento se dá nas cidades. Precisamos entender em que direção o mundo vai seguir para preparar as nossas cidades e a nossa população nessas perspectivas futuras”, avalia Silvio Barros, ex-prefeito de Maringá (PR) e professor.

“Mais da metade da população mundial vive em cidades, e no Brasil já são praticamente 90%. Todo o desenvolvimento se dá nas cidades. Precisamos entender em que direção o mundo vai seguir para preparar as nossas cidades e a nossa população nessas perspectivas futuras”. (Ex-prefeito de Maringá-PR)

“Barcelona é um destino que impressiona e nos leva a uma realidade ainda distante da nossa cidade, mas que oferece experiências possíveis de serem executadas. Um exemplo foi a visita à Cisco, cuja tecnologia ainda é pouco aplicada a serviço dos cidadãos. Assim como iniciativas de sustentabilidade. Cidades inteligentes fazem o acolhimento da população”, considera Cordélia de Almeida, prefeita de Eunápolis (BA).

Parceria

Segundo o Brum, são inúmeras as frentes em que o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial pode apoiar os gestores da área pública para oferecer um melhor serviço ao cidadão. Um exemplo é a saúde pública, quando se decide entre construir um hospital ou ampliar um já existente, conta o executivo. “A Inteligência Artificial permite o cruzamento e a análise de informações como, por exemplo, oferta de atendimento médico, unidades existentes que podem ser adaptadas, acessibilidade ou transporte público no entorno.”

“Barcelona é um destino que impressiona e nos leva a uma realidade ainda distante da nossa cidade, mas que oferece experiências possíveis de serem executadas. Um exemplo foi a visita à Cisco, cuja tecnologia ainda é pouco aplicada a serviço dos cidadãos. Assim como iniciativas de sustentabilidade. Cidades inteligentes fazem o acolhimento da população”. (Cordélia de Almeida, prefeita de Eunápolis – BA)

Bom exemplo do uso de IA pela administração pública é o projeto de segurança viária implantado no Distrito Federal. Recém-premiada com o Prêmio Global de Segurança Rodoviária, a iniciativa possibilitou a redução de mais de 60% no número de mortes decorrentes de acidentes de trânsito. Nesse trabalho, o mapeamento e a análise de dados referentes à circulação de pessoas e veículos e aos locais de maior incidência de acidentes permitiram que fossem apontadas soluções precisas para aumentar a segurança do trânsito em Brasília.

O secretário de Transporte e Mobilidade Urbana do Distrito Federal, Valter Casimiro, considera o reconhecimento do projeto como forma de incentivo para o surgimento de novas ações positivas: “Hoje, a administração pública tem avançado na utilização bem gerenciada da inteligência artificial para melhorar o dia a dia da população”, ressalta.

Brasília, aliás, foi a primeira cidade brasileira a se tornar signatária de uma iniciativa mundial para fomentar o desenvolvimento sustentável via inovação, criada em 2019 pelo G20 e pelo Fórum Econômico Mundial. Mais recentemente, foi a vez da catarinense Blumenau aderir ao G20 Global Smart Cities Alliance. “Nós buscamos ser uma cidade inteligente com o foco no cidadão, simplificando e agilizando os serviços, incluindo a melhoria integrada da mobilidade urbana, a conectividade e o desenvolvimento econômico”, disse o prefeito de Blumenau, Mário Hildebrandt, à época do anúncio.

Os exemplos proliferam de Norte a Sul do País. O Prêmio Nacional da Associação das Cidades Inteligentes, Tecnológicas e Inovadoras (Anciti), divulgado em novembro, teve Recife (PE) à frente do ranking de cidades e iniciativas com o melhor desempenho na gestão da área de Tecnologia da Informação. Na sequência, vieram Vitória (ES), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). E mostrando que a inovação não mora só nas capitais, cidades de até 100 mil habitantes também se destacaram na premiação, como Lajeado (RS), Itajubá (MG), Santa Rita do Sapucaí (MG) e Jacarezinho (PR).

Quem também busca investir em tecnologia de ponta é o Estado de São Paulo, que deu início ao que possivelmente seja o maior processo de transformação digital do mundo, para construir diretrizes, base e estrutura tecnológicas de uso de dados e inteligência artificial para todo setor público do estado. Brum explica que o projeto é um modelo de colaboração entre a competência do setor privado e a visão empreendedora do poder público em prol do cidadão.

Exemplo de São Caetano

São Caetano do Sul é um dos grandes destaques do Connected Smart Cities 2022, ranking que mapeou o Brasil considerando os setores estruturantes para o desenvolvimento de cidades inteligentes. O município conquistou quatro troféus: o de primeiro lugar na faixa populacional de até 500 mil habitantes; os de primeiros lugares em Educação e em Segurança; e o de quarto lugar do ranking geral, entre todos os municípios brasileiros, atrás somente de três capitais:  Curitiba (1º), Florianópolis (2º) e São Paulo (3º).

“Para nós, cidade inteligente é uma cidade conectada em todos os aspectos, com sistemas integrados e alto padrão de qualidade nos serviços públicos. Isso com olhar especial às pessoas, aliando humanização às boas práticas de governança, sempre buscando a máxima eficiência, eficácia e transparência. Os investimentos realizados em inovação nos últimos anos impulsionam o nosso desenvolvimento e nos colocam em posição destacada no cenário nacional no que tange ao modelo de cidade inteligente, tão disseminado mundo afora, mas, ao mesmo tempo, tão complexo de se perseguir”, explicou  José Auricchio Júnior,  prefeito de São Caetano, durante entrevista para a Revista Prefeitos & Governantes.

“Estamos sendo exitosos em praticar o ideal inserido em nosso Plano de Governo, que é o de construir uma cidade para as pessoas. E o investimento em tecnologia e em inovação faz parte deste processo. Pensamos São Caetano para o presente e para o futuro. Esta é a garantia de que as novas gerações terão condições de morar em um lugar ainda melhor, superando os desafios e aprimorando cada vez mais a solidariedade, a fraternidade e a igualdade de oportunidades”, continuou o prefeito.

“Hoje, a administração pública tem avançado na utilização bem gerenciada da inteligência artificial para melhorar o dia a dia da população”. (Secretário de Transporte e Mobilidade Urbana do Distrito Federal, Valter Casimir)

Marco Legal 

No Brasil, a inovação em todas as instâncias da administração pública ganhou maior impulso com a Lei Complementar 182/2021, mais conhecida como Marco Legal das Startups. Entre outros pontos, a nova legislação disciplina a licitação e a contratação de soluções tecnológicas por municípios, estados e na esfera federal. Contudo, acelerar o uso da inovação e, em particular, da inteligência de dados na prestação dos serviços, também exige mudanças no sentido de desburocratizar a máquina pública.

Dessa forma, para ampliar o uso da tecnologia, a administração pública também terá de abraçar uma das expressões mais utilizadas no ecossistema da inovação: economia colaborativa. “É preciso buscar a colaboração do setor privado para que esse processo se acelere com sucesso”, afirma o especialista da Falconi, lembrando que as parcerias público-privadas marcaram forte presença na pauta do Smart City Expo World Congress deste ano: “Sozinhos, os governos não vão conseguir fazer tudo o que é necessário”.

O grande desafio, acredita Brum, é tornar a inovação uma política permanente de Estado, independente da troca de equipes. Além disso, o diretor da Falconi lembra que o Estado não consegue fazer tudo sozinho — e nem precisa. E, para Brum, é aí que entra o imperativo da colaboração com o setor privado: “Não estamos falando de programas de governo, mas sim de programas de Estado, definidos a partir do que o cidadão precisa para tornar a sua vida melhor nos centros urbanos. Os desafios não são só estruturais, mas principalmente de mudança do modelo de operar a gestão pública. E isso requer tempo e consistência. Uma transformação que só uma visão de Estado viabiliza.”

Conectividade

Mesmo com o tema de cidades inteligentes sendo discutido há mais de uma década, os especialistas do setor que participaram de um evento realizado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas, apontaram como os grandes entraves para o desenvolvimento desta vertical são a falta de conectividade, de mão de obra qualificada e de maturidade do uso da tecnologia na gestão pública.

Para Rodrigo Uchoa, especialista em digitalização e desenvolvimento de negócio, smart cities é debatido há 15 anos, mas que trava em temas como retorno sob investimento, fragmentação das necessidades e a oferta de conectividade de qualidade para aplicações.

“Hoje sabemos do que se trata uma cidade inteligente. Discutimos modelos e arranjos regulatórios, jurídicos e as PPPs são realidade. Falamos de piloto, mas não vemos grandes projetos. Implementar uma cidade inteligente e atender o cidadão não é possível porque não conseguimos ter infraestrutura de conectividade segura. E toda vez que passávamos do projeto de construção, o principal desafio era viabilizar a estrutura de conectividade. Mas isso era há 15 anos atrás, hoje temos outro cenário com 5G e fibra óptica. Mas a estrutura de conectividade para cidades inteligentes, não é trivial e não é barata. Depende de capital e da operação da infraestrutura”, afirmou Uchoa.

“Toda vez que chegávamos no volume de investimento, éramos barrados no ROI. E tinha muita fragmentação. Aqui nasce o problema, você não pode ter estrutura duplicada ou com ineficiência operacional nas cidades. Ou paramos e montamos projetos com toda a demanda necessária e agregada, sendo tratados com investimento, ou não daremos o salto em cidades inteligentes. Muitos projetos com infra de telecomunicação pública também foram inviabilizados, porque o custo era bem alto, algo que acontece principalmente quando a demanda é alta”, completou.

Qualificação

Em contrapartida, Eliana Cardoso Emediato de Azambuja, ex- coordenadora-geral de transformação digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) indica que o principal problema é a falta de mão de obra qualificada. Azambuja explicou que 80% das 12 mil contribuições para a Estratégia Brasileira de Transformação Digital indicavam como grande preocupação a questão de capacitar pessoas para saúde, cidades e educação em novas tecnologias, como inteligência artificial.

“A Carta Brasileira para Cidades (Inteligentes) de 2020 mostra que a conectividade não é o único fator da cidade inteligente. Tem a educação, a conectividade, a saúde. Há uma série de fatores que levam a cidade a ser inteligente. Na nossa estratégia brasileira de transformação digital, está tudo junto. Temos câmaras de saúde, turismo, agro, cidades e indústria. A conectividade é necessária tanto no agro, quanto na cidade quanto no turismo”, disse a ex-coordenadora do MCTI.

“No ano passado finalizamos a primeira versão da nova estratégia brasileira de transformação digital. Em todas essas discussões com especialistas, a conectividade não foi o principal tema, mas, sim, a capacitação de pessoas. 80% das demandas que tivemos são para termos pessoas com capacidade para trabalhar com novas tecnologias. Recebemos mais de 12 mil contribuições e a questão de capacitar pessoas para saúde, cidades e educação, é uma grande preocupação”, disse. “Nós criamos nessas câmaras grupos de capacitação de pessoas. Temos que pensar em pessoas para trabalhar em todo o processo”, completou.

Por sua vez, Erico Przeybilovicz, pesquisador do centro de estudos em administração pública e governo da EAESP FGV e membro da Câmara das Cidades 4.0, afirmou que o problema ainda pode ser dividido em duas partes: as 300 cidades com mais de 100 mil habitantes que podem suportar tecnologias de Internet das Coisas; e a maioria dos mais de 5 mil municípios brasileiros que não têm infraestrutura básica de tecnologia. Em resumo, Przeybilovicz divide em duas partes o problema de smart cities, como mostra o gráfico acima:

– O nível do topo com a tecnologia de IoT, com sensores que dependem de conectividade de qualidade, e o outro lado com gestão tradicional e dados para tomar decisões sobre a cidade;

– e abaixo, estão  as cidades maduras ou iniciantes.

“Os 300 municípios com mais de 100 mil habitantes estão mais preparados para políticas mais avançadas de conectividade. Mas temos mais de 5 mil municípios que estão abaixo desse corte. São outras questões para outras cidades. Elas não precisarão de infraestrutura mais robusta. Às vezes é algo mais tradicional, como um sistema de gestão tributária”, explicou o pesquisador.

Edição do Texto: Diana Bueno

Fontes: ONU, Falconi, Agência Brasília, MCTI, FGV, Anciti e  Smart City Expo World Congress, Assessoria da Prefeitura de São Caetano do Sul

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