Crédito: Foto: Divulgação Porto Seco Sul De Minas Varginha
De Varginha (MG) a Petrolina (PE), passando por fronteiras e polos industriais, os portos secos revolucionam a logística nacional ao conectar o interior do Brasil ao comércio exterior, movimentando mais de US$ 20 bilhões por ano e transformando o PIB de cidades sem litoral.
Quando o porto fica longe do mar
A imagem clássica de um porto costuma incluir navios, guindastes e contêineres à beira-mar. Mas, no Brasil, um novo conceito de infraestrutura logística tem transformado essa narrativa. Os portos secos, ou Estações Aduaneiras do Interior (EADIs), são estruturas alfandegadas localizadas em cidades do interior, longe da costa, mas estrategicamente posicionadas em polos industriais, agrícolas e regiões de fronteira. Ao todo, 63 portos secos operam hoje no Brasil, distribuídos por 15 estados e pelo Distrito Federal.

Esses equipamentos logísticos já movimentam mais de US$ 20 bilhões por ano em mercadorias, tanto na importação quanto na exportação, e são responsáveis por desburocratizar, agilizar e descentralizar o processo de desembaraço aduaneiro. Produtos de alto valor agregado ou com alta perecibilidade, como o café do Sul de Minas, as frutas do Vale do São Francisco, carnes do Centro-Oeste e componentes eletrônicos do Sul e Sudeste, passam primeiro por esses centros antes de seguir para o destino final – muitas vezes por via aérea, a partir de aeroportos-satélite especializados em cargas refrigeradas.
Os portos secos são depósitos públicos alfandegados de uso geral, gerenciados por operadores logísticos privados sob concessão da Receita Federal. Neles, as mercadorias passam por processos como: Armazenagem temporária em recinto alfandegado, Conferência física e documental, Classificação fiscal e liberação de cargas e Aplicação de regimes aduaneiros especiais tais como drawback, admissão temporária, entreposto dentre outros controles e acompanhamentos.
Diferentemente dos portos marítimos, os portos secos estão integrados ao território produtivo, próximos de grandes indústrias, fazendas ou entrepostos. Isso reduz os custos de logística de “última milha” e permite o embarque direto para aeroportos próximos, especialmente quando se trata de cargas refrigeradas e produtos perecíveis.
Além da função operacional, os portos secos oferecem importantes benefícios fiscais e aduaneiros e dentre os benefícios aponta-se a suspensão ou diferimento de tributos federais enquanto a carga estiver armazenada sob regime especial, evitando imobilização de capital, a redução de custos de armazenagem em zonas portuárias congestionadas, a melhoria do controle de estoque, já que os produtos podem permanecer em entreposto sob controle aduaneiro por até dois anos e também gera economia no transporte pela proximidade com as cadeias e polos produtivos.
Para empresas exportadoras de alimentos, por exemplo, estar a 20 km do aeroporto e a 5 km da unidade produtora representa economia direta, maior controle de qualidade e menores riscos de avarias.

| Integração com aeroportos: a força dos hubs refrigerados Foto: Adriano Alves FolhaPress |
O diferencial dos portos secos brasileiros está na integração com aeroportos com infraestrutura para cargas perecíveis. Cidades como Petrolina (PE), Varginha (MG), Ribeirão Preto (SP), Foz do Iguaçu (PR), e Uruguaiana (RS) exemplificam essa conexão logística moderna.
Em Petrolina, por exemplo, as frutas tropicais como manga, uva e melão são colhidas e embarcadas em menos de 24 horas no aeroporto local, com destino à Europa, América do Norte e Oriente Médio. Já Varginha, com seu porto seco e aeroporto internacional, tornou-se o principal polo exportador de café verde do Brasil por via aérea.
Citando os exemplos de cidades que transformaram sua economia com portos secos, o polo produtor de Varginha (MG) fez do café um produto que voa para o mundo, a partir de um porto seco moderno e aeroporto internacional adaptado para cargas, Varginha se tornou o maior exportador de café por via aérea do país. Em 2023, movimentou cerca de US$ 650 milhões em exportações, contribuindo com mais de 15% do PIB local.
já Petrolina (PE) coloca as frutas frescas produzidas na região do Vale do São Francisco, leia-se Manga e Melão principalmente, em voos de carga direto para a Europa. O Porto Seco de Petrolina integra a cadeia de exportação das frutas do Vale do São Francisco e a proximidade do aeroporto com câmaras frigoríficas reduz perdas e encurta o tempo entre colheita e embarque, gerando mais de US$ 300 milhões anuais em exportações.

| Foz do Iguaçú (PR) na fronteira da exportação Foto: Amanda Yargas AERP |
Foz do Iguaçu opera como hub logístico trinacional. O porto seco local atende à exportação de produtos agroindustriais e componentes eletrônicos do Oeste do Paraná, com forte integração com o Paraguai e Argentina. Em 2023, o volume superou US$ 1,2 bilhão em cargas. O Porto Seco de Foz do Iguaçu é um dos maiores Portos Secos da América Latina e conta com uma localização privilegiada entre Brasil, Paraguai e Argentina. Possui sistema integrado com o Siscomex, com os órgãos anuentes e com a cadeia logística, agilizando a liberação de cargas rodoviárias. Além disso é o único Porto Seco do Brasil a oferecer Operação Noturna de Grãos a granel.
Segundo fonte da Receita Federal, em 2024, o Porto Seco de Foz do Iguaçu bateu mais um recorde de movimentação no setor do comércio exterior. Ao longo dos doze meses do ano passado foram movimentadas 5.622.542.391,78 toneladas de produtos e mercadorias resultando na cifra total de US$ 8.607.082.870,16. Os valores superam em 129,52% o total do peso e em 29,11% o montante da corrente do comércio exterior em relação ao ano de 2023.
O Porto Seco de Foz do Iguaçu reafirma sua liderança como um dos maiores da América Latina em movimentação de veículos e valores comercializados. O total de 196.599 caminhões liberados ao longo de 2024 representa um acréscimo de 11,65% em relação ao ano anterior.
Uruguaiana (RS): o coração da aduana terrestre
O porto seco de Uruguaiana é o maior em volume de importação terrestre do Brasil, com destaque para veículos, autopeças e fertilizantes vindos do Mercosul. Sua estrutura moderna e o Terminal Multimodal integrado à malha ferroviária fazem dele um dos principais gateways do Sul. Segundo a Multilog, operadora do Porto Seco de Uruguaiana é o maior do Brasil, com mais de R$40 bilhões movimentados em 2024 e mais de 268 mil caminhões em trânsito, conectando o Brasil à Argentina com agilidade aduaneira e eficiência logística.
Localizado estrategicamente na BR-290, junto à Ponte Internacional que liga o Brasil à cidade argentina de Paso de Los Libres, Uruguaiana se tornou peça-chave no comércio rodoviário do Mercosul. Em 2024, o terminal bateu recordes e consolidou sua posição como o mais relevante porto seco do país, tanto em volume quanto em impacto econômico.
O Porto Seco de Uruguaiana é uma conexão logística de alta performance, essencial na rota Brasil–Argentina, que responde por 72% das operações do terminal. A unidade operada pela Multilog representa a força da logística de fronteira e a maturidade do comércio exterior terrestre no sul do país.
Impacto econômico e social nos municípios
Os portos secos impulsionam o desenvolvimento regional. Um estudo do Ipea e da EPL (Empresa de Planejamento e Logística) demonstrou que cidades com EADIs têm, em média um PIB 20% maior que outras cidades do mesmo porte e apresenta um quadro de geração de empregos diretos e indiretos ligados à cadeia logística o que reflete, significativamente, no aumento na arrecadação de ISS e ICMS, com movimentação de armazéns, transportadoras, despachantes, e operadores logísticos.
Em Petrolina, por exemplo, o setor logístico responde por cerca de 12 mil empregos diretos, segundo a prefeitura. Em Varginha, há mais de 3 mil empregos ligados ao porto seco e aeroporto.
Desafios e oportunidades futuras
Apesar do avanço, o modelo de porto seco brasileiro ainda enfrenta alguns entraves no que se refere a própria burocracia aduaneira, apesar de digitalização os processos ainda são lentos. A infraestrutura rodoviária precária em algumas regiões não proporciona a integração ferroviária também desejável com as EADIs e em algumas regiões o quadro se complica para a construção de novos polos pela falta de incentivos, principalmente no Norte do País. Entretanto, há um movimento de modernização. O novo Plano Nacional de Logística (PNL 2035) prevê maior integração entre os modais e expansão dos portos secos, com especial atenção ao Centro-

| Transporte de Frutas no Aeroporto de Petrolina PE |
Oeste e ao Norte. Também há iniciativas para zonas de processamento de exportação (ZPEs) serem ligadas a portos secos.
Com a consolidação dos portos secos e sua conexão com aeroportos e estradas modernas, o Brasil vive uma interiorização do comércio exterior. A exportação não depende mais exclusivamente de Santos, Paranaguá ou Itajaí. Empresas médias e pequenas conseguem competir no mercado internacional, mesmo estando a centenas de quilômetros do mar.
A revolução silenciosa dos portos secos no Brasil mostra que infraestrutura portuária não depende de mar. Em um país continental, com forte vocação agroindustrial e distância dos grandes portos, a combinação entre tecnologia, agilidade aduaneira e aeroportos de carga pode ser a chave para um modelo logístico mais competitivo, sustentável e inclusivo.
Da Redação: Transcrição da matéria publicada na Editoria Infraestrutura da Edição 92

