Crédito: Foto: Divulgação PM Vitoria
Instrução normativa padroniza a atuação das guardas armadas em todo o Brasil. Com regras mais rígidas para formação, controle e uso do armamento, municípios terão que se adaptar — e equilibrar segurança com responsabilidade.
Nova Regulamentação
Em 30 de junho de 2025, a Polícia Federal publicou a Instrução Normativa nº 241 sendo considerada um marco regulatório para a guarda armada, estabelecendo, pela primeira vez de forma detalhada, as regras para o porte de armas de fogo pelas guardas municipais em todo o território nacional. O texto normativo padroniza o uso de armamento letal por agentes municipais, cria critérios para autorização, impõe exigências administrativas às prefeituras e disciplina o porte funcional e fora de serviço.
A norma surge após anos de impasse jurídico e divergência interpretativa, sobretudo diante das alterações promovidas pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e pela Emenda Constitucional 103/2019, que conferiu caráter de força de segurança pública às guardas municipais.
O que muda com a nova norma da PF?
Até então, o porte de arma por guardas municipais era autorizado de forma descentralizada e dependia da interpretação de superintendências regionais da Polícia Federal, com base em critérios como tamanho da população da cidade, efetivo da guarda e avaliação subjetiva da necessidade.
A nova instrução acaba com essas incertezas e permite o porte para guardas de todos os municípios, independentemente do número de habitantes. Contudo, impõe requisitos rigorosos para garantir segurança jurídica, controle institucional e padronização da atuação. Os principais pontos são:
✅ Condições para porte de arma:
- O município deve firmar um Termo de Adesão e Compromisso com a Polícia Federal;
- A guarda precisa manter corregedoria própria, ouvidoria independente, controle de armas e munições, e apresentar estrutura mínima de supervisão;
- O porte terá validade de 10 anos, com possibilidade de renovação;
- O armamento poderá ser usado fora do horário de serviço, mas somente dentro do Estado de lotação do guarda.
✅ Exigências para os agentes:
- Formação técnica mínima de 80 horas de instrução de tiro e uso progressivo da força;
- Avaliação psicológica obrigatória para todos os guardas armados;
- Reciclagem periódica e controle de conduta funcional.
✅ Fiscalização e sanções:
- A PF poderá auditar as corporações municipais e suspender o convênio em caso de descumprimento;
- O município poderá ser responsabilizado por omissões, acidentes ou uso indevido das armas.
Repercussões: especialistas e entidades opinam
A regulamentação foi recebida com entusiasmo por representantes da categoria. Para Carlos Augusto, presidente da ANGM (Associação Nacional dos Guardas Municipais), a medida “coloca fim a anos de insegurança jurídica e garante tratamento isonômico às guardas, valorizando seu papel na segurança pública urbana”.
Já a Confederação Nacional de Municípios (CNM) manifestou preocupação com o impacto orçamentário da medida. “As exigências são razoáveis, mas muitos municípios pequenos não têm estrutura administrativa para cumprir todas elas. É preciso haver contrapartida financeira da União”, afirmou Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.
No Congresso Nacional, deputados da bancada da segurança defenderam flexibilizações para municípios com até 50 mil habitantes. O deputado Capitão Alden (PL-BA) chegou a propor projeto que estende o prazo para implantação das regras para até 24 meses, sob pena de inviabilizar o armamento em centenas de cidades.
Especialistas em segurança pública adotaram uma postura cautelosa. Para o sociólogo e pesquisador da UFRJ Roberto Uchoa, o uso de armas pela guarda deve ser “exceção, não regra”. Segundo ele, “a guarda tem função preventiva e comunitária, e deve ser treinada para mediação e presença urbana. Armar por armar pode trazer mais riscos do que soluções.”
Já a antropóloga e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Daniela Murad, destaca que a medida precisa vir acompanhada de formação cidadã e não apenas técnica. “É fundamental que os agentes compreendam os limites legais de sua atuação e evitem práticas violentas ou abusivas.”
Efeitos práticos nos municípios
Nos municípios com guardas estruturadas, como Campinas (SP), Salvador (BA) ou Curitiba (PR), a regulamentação pode consolidar e ampliar o papel das guardas no patrulhamento urbano. Já em cidades médias e pequenas, a implementação dependerá de investimento e apoio técnico.
Para os prefeitos, a norma traz maior responsabilidade institucional. Será preciso:
- Criar ou fortalecer corregedorias e ouvidorias;
- Investir na formação contínua dos agentes;
- Adquirir equipamentos e armamentos registrados;
- Criar regramento próprio sobre o uso da força;
- Controlar inventário de armas e munições.
Além disso, a regulamentação abre caminho para ações articuladas com as polícias civis e militares, sobretudo em áreas de fronteira, escolas, praças públicas e eventos de grande porte.
Desafios e cuidados
A regulamentação representa um avanço, mas também impõe desafios. O principal deles é evitar a militarização indevida das guardas, cuja missão constitucional é a proteção de bens, serviços e instalações do município — e não a repressão penal típica das polícias estaduais.
Outro risco é o uso político da guarda municipal, com o armamento sendo utilizado como instrumento de poder em disputas locais. Para isso, será fundamental que o controle externo (Ministério Público, Câmara Municipal, sociedade civil) esteja atento e atue como contrapeso.
Por fim, é essencial garantir que a expansão do porte não implique aumento da letalidade ou do uso excessivo da força. O equilíbrio entre autoridade e humanidade deve guiar a atuação da guarda armada.
✅ Conclusão
A Instrução Normativa da Polícia Federal marca uma nova fase na história das guardas municipais brasileiras. Ao estabelecer critérios claros para o porte de armas, a medida confere maior legitimidade, controle e segurança jurídica para as administrações públicas e para os próprios agentes.
Mas o sucesso dessa política dependerá da responsabilidade dos gestores municipais. Armar a guarda exige muito mais do que comprar pistolas: exige formação cidadã, estrutura de controle, cultura de direitos e compromisso com a paz social.
Para os prefeitos e secretários de segurança, o recado é claro: a regulamentação chegou. Agora, é hora de fazer a lição de casa.