Crédito: Mãe de 14 filhos, Maria Benedita se queixa da educação na zona rural de Melgaço, IBGE e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2010
Na manhã de uma sexta-feira em setembro, a casa da ribeirinha Maria Benedita, de 46 anos, estava cheia.
Erguida sobre palafitas na zona rural de Melgaço (PA) – município com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil -, a construção de madeira abrigava várias crianças que naquele dia não tiveram aula.
“O barqueiro não apareceu”, lamentava Benedita, referindo-se ao piloto que transporta os estudantes até as escolas da região.
A presença das crianças dava um ar agitado à residência, ladeada por casas de parentes e quase engolida pela Floresta Amazônica ao fundo.
Melgaço fica no sul do Marajó, arquipélago com 2.150 ilhas que se estende da foz do rio Amazonas, a oeste, até a baía do Guajará, a leste.
Se para muitos o arquipélago remete a paisagens com manguezais ou brejos com búfalos, em Melgaço o cenário é distinto, formado por rios caudalosos e florestas de igapó, que passam boa parte do ano alagadas.
Maria Benedita gosta de morar ali: “Só preciso comprar café, açúcar e mais alguma alimentação, porque o resto tudo tem aqui na floresta: tem o açaí para beber, tem a farinha que a gente faz, tem a madeira para construir casa”.
Mas poderia ser bem melhor, diz ela, se os serviços públicos fossem mais eficientes.
Melgaço não tem conexão por terra com outros municípios, e carros e motos só circulam nas poucas ruas da zona urbana.
Na zona rural – onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), moram 80% dos 28 mil habitantes locais -, barcos são a única forma de transporte.
Por isso, quando o barqueiro escolar não aparece, as crianças não vão à escola.
Mãe de 14 filhos, Maria Benedita diz que as faltas dos barqueiros são frequentes – embora nem sempre eles sejam os responsáveis pela perda de aulas.
Muitas vezes, segundo ela e outros moradores entrevistados, as próprias escolas suspendem as atividades sem justificativas razoáveis.
Em setembro, por exemplo, não houve aulas antes do feriado da Independência, porque, segundo a prefeitura informou à BBC, as escolas quiseram se preparar para um desfile no dia 7.
De acordo com a ribeirinha, há meses com só cerca de dez dias letivos.
Além disso, Benedita afirma que muitas crianças abandonam os estudos ao completar o Ensino Fundamental, pois não há Ensino Médio na vizinhança.
“Uns tantos deles já concluíram para estudar o primeiro ano [do Ensino Médio] e não conseguiram, porque não vem o professor”, afirma.
A BBC visitou Melgaço como parte de reportagens sobre municípios brasileiros nos extremos de rankings de indicadores sociais. Na outra ponta do IDH, visitou também São Caetano do Sul (SP), a cidade com melhor índice de desenvolvimento humano do Brasil.
Como duas cidades do mesmo país podem ter realidades tão diferentes? O que pode ser feito para reduzir esse fosso? No entanto, o mergulho nos dois cotidianos revelou que tanto em São Caetano quanto em Melgaço há nuances que o índice é incapaz de detectar.
As cidades com maior e menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal no país
Fonte: BBC News Brasil