O Tribunal de Contas do Município questionou a Prefeitura de São Paulo sobre a situação do saneamento da cidade após o Projeto de Lei que prevê privatizar a Sabesp ser aprovado pela Assembleia Legislativa do estado nesta quarta (6).
No documento, o TCM pede esclarecimentos para sete questões (veja abaixo). Segundo o Tribunal, o objetivo é entender como a cidade de São Paulo está se preparando para a privatização da Sabesp, quais serão os benefícios efetivos para o município, indenizações, garantias e riscos.
É a segunda vez que o Tribunal cobra posicionamento da prefeitura e aponta preocupações com a proposta do governo estadual.
Em outubro, os conselheiros apontaram a necessidade de colocar no projeto um limite máximo para reajuste de tarifas, impor que seja preservada e ampliada a tarifa social, para famílias de baixa renda, além de manter a destinação mínima de investimentos na cidade, que hoje é de 13%.
Alesp X Câmara
Embora aprovada pelos deputados, para ser de fato viabilizada, a privatização também precisa, obrigatoriamente, passar pela Câmara de São Paulo.
Ele terá que ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia.
Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.
Esse contrato, entretanto, só é quebrado após a efetivação da venda, ou seja, a sanção do projeto em nada altera a prestação de serviço, que seguirá feita pela Sabesp.
Na prática, ainda que sancionada, a privatização não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024. Poucas ou nenhuma empresa teria interesse de comprar a Sabesp sem a fatia da capital.
- O governo de São Paulo até pode abrir edital, mas para que o saneamento da cidade de São Paulo faça parte, a lei municipal precisa ser alterada pelos vereadores na Câmara.
Pela lei municipal atual, o contrato entre a cidade de São Paulo se desfaz automaticamente com a mudança no controle acionário, ou seja, com a privatização.
“Art. 2º. Os ajustes que vierem a ser celebrados pelo Poder Executivo, com base na autorização constante do ‘caput’ do art. 1º, serão automaticamente extintos se o Estado vier a transferir o controle acionário da SABESP à iniciativa privada”, diz o artigo que rompe o contrato.
- Uma vez desfeito, a capital terá que criar uma nova empresa de saneamento;
- A Sabesp deixa de fazer esse serviço;
- Atualmente, o tema está apena em discussão no legislativo municipal.
Nesta quinta (7), ocorre uma audiência pública para falar sobre os rumos do saneamento da capital diante da privatização da Sabesp. O que existe hoje na Casa é apenas uma Comissão Especial de Estudos para tratar do assunto.
Após a aprovação do orçamento municipal em primeira votação, o presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (União Brasil), orientou que fosse incluída, antes do texto ir para a segunda votação, uma rubrica com a previsão orçamentária para criar uma empresa de saneamento para a cidade, caso seja necessário.
Perguntas do TCM
- Existe minuta do novo contrato celebrado entre o município e a Sabesp sobre a extensão de duração do contrato de concessão para 2060?
- O percentual de ações de titularidade do estado de São Paulo poderia de alguma forma ser transferido ao município como forma de compensação pela extensão do contrato da Sabesp?
- Os percentuais de investimentos e do fundo de proteção ao meio ambiente poderiam ser inseridos no novo contrato?
- O prefeito de São Paulo autorizou a Sabesp a realizar a transferência dos direitos de exploração dos serviços, o que é vedado pelo contrato atual?
- O município será indenizado pela alteração do prazo de vigência do contrato de concessão para mais 20 anos?
- Levando em consideração que, para o contrato atual, a Sabesp depositou a garantia de R$50 milhões ao governo do estado e que essa garantia seria renovada em caso de prorrogação, a cidade de São Paulo poderia receber parte da nova garantia?
- O município tem estudos ou planos para a eventual necessidade de assumir a prestação dos serviços atualmente prestados pela Sabesp – o que é previsto com a extinção do contrato?
Sabesp — Foto: Edi Sousa/Ato Press/Estadão Conteúdo
Outro caminho é alterar a lei e permitir que o serviço seja privatizado. Tudo isso ainda precisa ser articulado na Casa para que o projeto de Tarcísio, de fato, saia do papel.
Vereadores da oposição falaram ao g1 que não vão aprovar o orçamento sem que seja incluído recurso para que a cidade assuma o serviço de saneamento.
“Vamos lutar para que o orçamento tenha a rubrica de previsão para a criação de uma empresa de saneamento. Achamos que o saneamento tem que ser gerenciado por uma empresa pública”, disse Silvia Ferraro (PSOL), da bancada feminista.
Questionada na Justiça
A privatização da Sabesp ainda pode ser questionada na Justiça. Deputados da oposição questionam o fato de que a privatização está sendo votada como projeto de lei e não como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Para o professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira, o processo de votação tem “vícios de inconstitucionalidade”.
A Constituição do estado de São Paulo determina que os serviços de saneamento básico sejam prestados por concessionária sob controle acionário do estado.
Então, para a desestatização, seria necessário alterar o texto constitucional, já que o processo de venda faria com que o estado perdesse a condição de acionista majoritário.
“A Sabesp é uma empresa essencial ao setor de saneamento no estado mais populoso do país, e uma desestatização às pressas pode ser contraproducente à medida que o rito do PL é muito mais simplificado em detrimento do rito de aprovação de uma PEC”, afirma.
De acordo com o parágrafo segundo do artigo 216, “o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”.
A privatização
Uma das prioridades da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicano), a proposta foi enviada à Alesp pelo governo em outubro, quando começou a tramitar na Casa.
A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria “a grande privatização do estado”.
Movimentos sociais contrários a privatização da Sabesp discutem com deputado na Alesp.
O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029.
Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas.
Quem é a Sabesp
A Sabesp é uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002.
Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas.
Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água.
Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque.
É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.