Recente decisão do Tribunal de Contas da União lançou luz novamente sobre falhas nas pesquisas de preços e as inúmeras repercussões negativas para o processo de contratação pública
Em que pese as peculiaridades do objeto analisado — soluções de TIC, que constituem a base fática para o posicionamento emanado pelo tribunal, a decisão alerta sobre o uso, pouco criterioso, de preços oriundos de contratações pretéritas como parâmetro de pesquisa de preços.
Possivelmente em razão de sua origem (contratos públicos), os preços de contratações anteriores, muitas vezes, conduzem à compreensão equivocada de que podem ser adotados sem uma análise mais aprofundada. Entretanto, das próprias normas jurídicas que disciplinam o tema, podem ser extraídos aspectos que precisam ser analisados com o objetivo de garantir esse parâmetro possa contribuir para composição de um orçamento estimado idôneo.
Nesse cenário, oportuno refletir acerca de algumas cautelas essenciais a serem observadas quando da utilização desse parâmetro de pesquisa de preços que é tão caro aos agentes públicos, seja devido ao caráter oficial da informação seja devido a seu fácil acesso.
Preliminarmente, cabe rememorar que a pesquisa de preços recebeu tratamento expresso pela Lei nº 14.133/2021, nos termos de seu artigo 23. A adoção de preços de contratações anteriores é prevista pelo inciso II do aludido artigo, conforme se observa:
Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
Para a esfera federal, conta-se ainda com a Instrução Normativa Seges/ME 65, de 7 de julho de 2021 que disciplina “o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional” e que, na mesma linha, autoriza o uso de contratações pretéritas na pesquisa, nos seguintes termos:
Art. 5º A pesquisa de preços para fins de determinação do preço estimado em processo licitatório para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros, empregados de forma combinada ou não:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como Painel de Preços ou banco de preços em saúde, observado o índice de atualização de preços correspondente;
II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
III – dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que atualizados no momento da pesquisa e compreendidos no intervalo de até 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital, contendo a data e a hora de acesso;
IV – pesquisa direta com, no mínimo, 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, por meio de ofício ou e-mail, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital; ou
V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, desde que a data das notas fiscais esteja compreendida no período de até 1 (um) ano anterior à data de divulgação do edital, conforme disposto no Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
§ 1º Deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos.
(…)
§ 3º Excepcionalmente, será admitido o preço estimado com base em orçamento fora do prazo estipulado no inciso II do caput, desde que devidamente justificado nos autos pelo agente responsável e observado o índice de atualização de preços correspondente.
Ponto interessante a notar é que, para a esfera federal, há determinação expressa no sentido de que há parâmetros que devem ser utilizados de forma prioritária, em relação aos demais. São eles:
a) os custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como painel de preços ou banco de preços em saúde,
b) contratações similares feitas pela administração pública, em execução ou concluídas no período de um ano anterior à data da pesquisa de preços. A não utilização desses parâmetros, de forma prioritária, acarreta para o gestor o dever de justificar a impossibilidade de utilizá-los.
Preços de contratações passadas
Postas essas considerações preambulares, destacam-se aspectos que devem ser, obrigatoriamente, sopesados pelo agente público previamente à utilização de um preço de contratação anterior para compor sua cesta de preços: atualidade, similaridade do objeto e impacto da escala para a formação do preço.
No que diz respeito à atualidade, o artigo 23 da Lei nº 14.133/2021 assim como a IN 65 aludem a um prazo de um ano, restando autorizado o uso de preços de contratações pretéritas concluídas até o limite de um ano anterior à data da pesquisa de preços.
Relativamente a esse prazo, compreende-se que há para o agente público o poder-dever de analisar até qual lapso temporal o preço de uma contratação pretérita continua refletindo o real preço de determinado objeto.
Nessa linha, cabe ponderar que existem objetos cujo preço sofre constante alteração de preço. Para esses, evidentemente, um preço obtido há um ano já não corresponde ao preço atual do objeto. Há também objetos que apesar de terem, como regra, preços pouco variáveis ao longo de um ano, podem haver sido impactados por algum cenário econômico específico.
Dessa forma, ainda que a norma autorize o uso de preços obtidos até o limite de um ano é certo que, a depender da realidade do mercado para o objeto a ser licitado, um preço obtido de uma contratação realizada há mais de seis meses, por exemplo, pode estar defasado, pelo que não poderá ser usado.
No que se refere à similaridade do objeto, a doutrina esclarece que não há necessidade de identidade total entre o objeto a ser licitado e aquele cujo preço se quer adotar como parâmetro. Nesse sentido, por todos, Marçal Justen Filho: “Não há necessidade de identidade do objeto e das condições contratuais, mas devem existir pontos próximos entre as contratações, de modo a permitir comparação, entre elas”.
De toda forma, ainda que não seja exigível a identidade de objetos, necessário verificar a compatibilidade das características do objeto determinantes para o preço para verificar se estas também estavam presentes no objeto cujo preço se quer adotar como parâmetro. Nesse ponto, importante ter acesso ao descritivo do objeto constante do termo de referência da licitação.
Por fim, devem ser considerados os quantitativos da contratação pretérita considerando o impacto da escala no preço. Conforme se sabe, a economia de escala se refere à redução do custo médio por unidade de um bem ou serviço à medida que a quantidade adquirida aumenta. Isso ocorre devido à diluição dos custos fixos em um número maior de unidades.
Dessa forma, dado seu impacto inegável na formação do preço, as quantidades contratadas anteriormente precisam ser conhecidas e, considerada a existência de eventual economia de escala, verificando-se se há similaridade com o cenário contratação a ser celebrada.
Fonte: Consultor Jurídico