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Complexo recebe tração com aplicações, porém setor mantém alerta com dúvidas sobre priorização e iniciativas

Crédito: Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República Alexandre Padilha e o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante anúncios referentes ao setor produtivo do Complexo Econômico Industrial Foto: Gil Ferreira/Ascom – SRI

Série de investimentos para a saúde foram apresentados na semana passada para alavancar a indústria nacional e produção de medicamentos inovadores

Na semana passada, o governo anunciou um investimento de R$ 57,4 bilhões para o Nova Indústria Brasil (NIB), que visa fortalecer a produção nacional. O foco é o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), que compõe a ‘Missão 2’ do programa. Apesar de ainda existirem dúvidas sobre a implementação de algumas iniciativas, como se darão as parcerias parcerias entre laboratórios públicos e privados e a priorização dos aportes, há uma visão de que os planos começam a ganhar tração.

“O Complexo Econômico-Industrial da Saúde coloca o Brasil em uma posição de se conectar com o sistema local para começar a desenvolver algo”, aponta Bruno Porto, sócio e líder do setor de saúde da PwC Brasil. “Talvez não um medicamento revolucionário, mas algo na linha intermediária de medicamentos e tratamentos para as grandes doenças crônicas que o país enfrenta e que necessitam de uma indústria”.

Na visão dele, o CEIS pode fomentar o emprego, além de impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento, o que, por sua vez, beneficiará a academia, as universidades, os Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e outros institutos criados para atrair recursos e talentos. Mas para Porto, com diversos atores envolvidos, cada um desempenha um papel específico e é necessário haver sinergia para que tudo aconteça: “A indústria nacional não pode ser apenas uma indústria. Ela deve focar em pesquisa e desenvolvimento. Esse movimento se reforça agora com o modelo de CEIS, e o dinheiro já está vindo do BNDES. Entretanto, precisamos ver todos os atores se envolvendo nesse processo”.

Além do anúncio, nos últimos meses também houve avanços significativos na regulação e na estruturação do CEIS, como os novos marcos regulatórios para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e para o Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL). “Eles fizeram o anúncio dos recursos, mas acredito que é cedo para afirmar que isso já está acontecendo. Mesmo que o compromisso possa ser feito, na prática, só veremos uma ação concreta quando, por exemplo, um projeto de pesquisa e inovação for aprovado e um pedido de financiamento for concretizado”, avalia Renata Rothbarth, partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare da Machado Meyer Advogados.

Segundo ela, houve uma maior democratização na inclusão de diferentes players, como  públicas e privadas, startups, associações e entidades estrangeiras, o que ampliou a flexibilidade e o foco na inovação, produção, pesquisa e desenvolvimento local.

Investimento privado no Complexo Econômico

Dos R$ 57, bilhões anunciados na semana passada, R$ 39,5 bilhões são investimentos privados e, destes, R$ 33,5 bilhões virão das empresas associadas à FarmaBrasilInterfarma e Sindusfarma. Reginaldo Arcuri, presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, confirmou que, desse montante, R$ 20 bilhões serão investidos pela FarmaBrasil, distribuídos de várias formas, como a implantação e construção de novas plantas, o que representa cerca de R$ 6,5 a R$ 7 bilhões. Já para os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), que englobam uma ampla gama de atividades, serão destinados aproximadamente R$ 12,5 bilhões, embora as empresas forneçam valores aproximados, boa parte dos investimentos são dinâmicos, ou seja, não é que a empresa define.

“As empresas da FarmaBrasil investem, em média, cerca de 6,6% do seu faturamento anual em pesquisa e desenvolvimento. Algumas chegam a investir entre 12% e 14% do seu faturamento em P&D. Além disso, há uma quantidade extremamente relevante de investimentos em andamento”, detalha.

Na visão de Arcuri, quando as empresas mantêm um padrão constante de investimento em pesquisa e desenvolvimento, isso indica um compromisso definitivo com a inovação. Ele acrescenta que, quando os governos oferecem linhas de financiamento que convergem com esses objetivos, esse movimento se fortalece. Apesar disso, mesmo na ausência de apoio governamental, os investimentos das empresas nacionais em inovação não foram interrompidos nos últimos anos: “Agora há condições de dar um novo salto dessa indústria e estamos muito convencidos de que a indústria farmacêutica nacional tem condições de ser uma nova Embraer. É um setor de capital nacional, focado na inovação”.

Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), ressalta que esses investimentos anunciados não geram resultados imediatos e que, na indústria farmacêutica, tudo é um processo demorado: “Se eu investir hoje na construção de uma nova fábrica na indústria farmacêutica, pode demorar até cinco anos para essa fábrica começar a produzir, desde o projeto inicial até a entrega da primeira caixinha com o produto. Além do tempo necessário para a construção, há o período exigido para obter as licenças – que normalmente são demoradas – e a certificação da fábrica pela Anvisa. Portanto, é um investimento cujo retorno não é imediato”.

Para ele, esses investimentos demoram mais para maturar, o que torna a indústria farmacêutica peculiar e dependente de questões de propriedade intelectual. Isso porque os investimentos feitos hoje começam a render frutos apenas em 5, 6, 7 ou 8 anos. De qualquer forma, ele ressalta que o governo tem incentivado esses investimentos por meio dos financiamentos anunciados na semana passada. Durante o anúncio, por exemplo, foi informado que o Plano Mais Produção (P+P), coordenado pelo BNDES, recebeu um incremento de R$ 42,7 bilhões. 

Para Bruno Porto, o incentivo do governo visa fortalecer as empresas nacionais, tanto as farmacêuticas quanto as de dispositivos médicos, criando um arcabouço de pesquisa, inovação e um parque industrial interconectado. O sócio da PwC Brasil lembra ainda que o governo é um grande comprador de medicamentos, por isso há grande interesse em reduzir custos, ainda mais frente ao surgimento de novas tecnologias e terapias mais caras.

Lacunas nas PDPs

Com o objetivo de tornar o país mais independente na produção de insumos, vacinas e medicamentos, o governo tem levantado a bandeira de fortalecer o Complexo. O objetivo é aumentar os atuais cerca de 45% de insumos fabricados localmente para 70% em 2033. Para isso, diversos investimentos e programas foram anunciados nos últimos meses. Em setembro do ano passado, o governo divulgou a estratégia para desenvolver o CEIS com R$ 42,1 bilhões de investimentos. Em janeiro, foi a vez da Nova Indústria Brasil (NIB), política interministerial que visa alavancar o setor produtivo do país, com orçamento de 300 bilhões de reais para seis áreas, dentre elas a saúde. E na semana passada houve uma espécie de compilação destes aportes, com o acréscimo de R$ 57,4 bilhões.

Ainda em junho, o Governo também apresentou aspectos gerais dos novos marcos regulatórios para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL). “Estamos no momento de colocar isso em prática, mas, pelo menos do ponto de vista regulatório, temos uma visão muito melhor em termos de quais são os critérios e objetivos que cada um pode oferecer. Mas ao analisarmos as vulnerabilidades do programa em geral, o principal ponto é a questão da precificação de tecnologia”, avalia Renata Rothbarth.

Segundo ela, não há regulamentação específica que estabeleça critérios para a precificação de tecnologias. Em diversas modalidades de contrato – como encomendas tecnológicas, alianças estratégicas, acordos de compensação e contratos públicos de soluções inovadoras – frequentemente um produto é adquirido pelo Ministério e a tecnologia é transferida do setor privado para o público. Porém, a precificação dessa tecnologia ainda não foi resolvida, o que pode impactar significativamente a modelagem dos projetos como um todo.

O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou ao Ministério da Saúde que estabelecesse critérios de forma mais clara. Foi pedido também um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no início deste ano, mas o estudo ainda não foi divulgado. Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou até o fechamento da reportagem.

De acordo com Rothbarth, isso tem um impacto significativo na modelagem dos projetos: “Se você submeter uma proposta com base em uma forma de precificação da tecnologia e, posteriormente, o Ministério estabelecer uma nova abordagem que se aplique retroativamente a todas as parcerias em andamento – como ocorreu com certos artigos nas portarias de PDP e PDIL – isso pode causar confusão. Essa situação gera insegurança e instabilidade quanto à continuidade dos projetos.”

Para Porto, os novos marcos regulatórios para as PDPs e PDILs ajudam, mas é difícil criar um sistema de pesquisa e desenvolvimento em inovação radical ou incrementá-lo sem parcerias com universidades. Caso contrário, acaba-se tendo que buscar mão de obra fora do país e comprar tecnologia externa. “Embora tenha havido acelerações nesse sentido, para que isso seja eficaz, precisamos desenvolver um ecossistema positivo que envolva universidades, ICTs e o governo. O Brasil ainda enfrenta desafios na pesquisa básica”, defende.

Outro ponto em aberto sobre os avanços dos investimentos na saúde, com foco no Complexo e na produção nacional, é a falta de clareza ou transparência na escolha das empresas parceiras dos laboratórios públicos para a transferência de tecnologia. Fontes do setor afirmam que nem todos os laboratórios públicos interessados estão realizando chamamento público para a seleção dos parceiros. Entre os que fizeram chamamento público estão a Fiocruz, o Butantan e a Farmanguinhos.

Otimismo com cautela

Diante de todo o cenário, há um otimismo acompanhado de um olhar cauteloso em relação às metas estabelecidas. Nelson Mussolini, do Sindusfarma, reflete a importância desse espaço de discussão e dos investimentos, além da transferência de tecnologia. Em sua opinião, o Brasil desaprendeu a fazer uma série de produtos que sabia fazer no passado porque ficou mais barato comprar de fora: “Eu tenho um pouco de dificuldade em afirmar que vamos abarcar 70% da produção local. Se você olhar o mundo de forma geral, não encontrará nenhum país que abarque 70% das suas necessidades na área de saúde produzidas localmente. No entanto, o que eu digo é que pouco importa se atingimos 70%, 50% ou 43%; o que precisamos é de um ambiente favorável para a produção local que atenda às nossas necessidades”.

Por sua vez, Reginaldo Arcuri, do Grupo FarmaBrasil, defende que o Brasil está capacitado, com muitas universidades e centros de pesquisa, tanto públicos quanto privados, trabalhando nessa área. Ele destaca que o país conta com excelentes cientistas e equipamentos de altíssimo nível mundial, como o Sirius, o acelerador de luz síncrotron, mas acredita que o sucesso dependerá de ter uma base industrial sólida. “O Brasil ocupa um lugar importante na publicação de artigos científicos, mas é necessário transformar esse conhecimento em medicamentos aprovados pela Anvisa e por autoridades sanitárias de outros países. Para isso, é essencial incentivar a capacidade de produzir internamente com a mesma, ou melhor qualidade, mas a um custo mais baixo”, completa.

Em meio aos investimentos no Complexo, Renata Rothbarth lembra, no entanto, que os serviços de saúde poderiam ter mais atenção. “É mais difícil concretizar ações para os serviços de saúde devido às diferentes fontes de financiamento. É mais imediato lidar com produtos, como medicamentos, dispositivos médicos e componentes, porque o Ministério pode centralizar e realizar aquisições únicas. No caso dos serviços de saúde, existem várias linhas de financiamento e pactuações, dependendo do tipo de doença, da complexidade do atendimento, e assim por diante. Se há algo que está de fora hoje, são os serviços de saúde, que poderiam, e muito, contribuir para arranjos produtivos e assistenciais que trariam mais benefícios ao SUS de forma geral”.

Fonte: Futuro da Saúde

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