Audiência pública na Câmara irá debater Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Ciência Política
Nesta terça-feira (9/7) haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de graduação em Ciência Política. A DCN estipulará o padrão mínimo que todo curso nessa área precisa necessariamente seguir. A iniciativa foi capitaneada pela Associação Brasileira de Ciência Política.
Com essa audiência o Conselho Nacional de Educação abre a possibilidade para que todas as partes interessadas (estudantes, professoras, pesquisadoras) possam participar da construção do currículo básico dos cursos de graduação em Ciência Política.
Essa é, hoje, mais do que nunca, uma questão fundamental, visto que há inúmeras distorções nesse campo do conhecimento. Em notícia publicada no UOL, vemos que a disciplina que versa sobre política nas escolas de ensino médio do estado de São Paulo poderá ser ministrada por militares.
Ainda que não tenhamos dúvidas sobre o excepcional preparo desses agentes de Estado para suas funções constitucionais, nos assombra que qualquer indivíduo sem nenhuma passagem formal pela área de Ciência Política possa ter capacidade didática, teórica e científica para tal tarefa. Outra matéria expõe um ponto ainda mais preocupante, uma vez que grupos conhecidos por seu negacionismo histórico e científico pretendem montar cursos de graduação, com destaque para cursos sobre a política.
Há cerca de quatro anos, a revista Piauí promoveu um debate sobre o ensino de política no Brasil. À época, a influenciadora digital Gabriella Prioli começou a oferecer seus cursos de formação política, o que gerou críticas de cientistas políticas. Isso levou a uma resposta num texto que defendeu que essas críticas tinham vieses corporativistas e mesmo misóginos (“Deixa a moça trabalhar”).
Em seguida, alguns colegas da área redigiram uma resposta defendendo a importância de uma Ciência Política Regulamentada, na qual defenderam que a regulamentação de uma profissão não tem por objetivo facultar o monopólio em determinado assunto, tema ou objeto de estudo, mas sim garantir que o profissional formado em uma área seja responsável por aquilo que diz e assina. Parece-nos um bom momento para a questão ser retomada.
Falar sobre política é livre a todas as pessoas, assim como falar sobre a sociedade, os rumos da economia e até mesmo futebol. Dar pitacos sobre candidaturas políticas também é muito bem-vindo. Isso mostra uma sociedade saudável e preocupada com seu destino. Por outro lado, temos experimentado movimentos que vão além da liberdade de se debater livremente. A linha que separa a liberdade de debater da responsabilidade sobre determinado tema ou assunto vira coisa séria quando nos propomos a ensinar. Aqui, não estamos falando de cursos gerais de formação, que já se tornaram um padrão na internet e que podem ser muito qualificados. Ensinar formalmente sobre política é um pouco diferente, assim como ensinar sobre as leis e sobre a sociedade.
Todo curso com carga horária sobre leis tem um profissional da área jurídica para lecionar, assim como todos os cursos que precisam falar sobre a sociedade, possuem um sociólogo para explicá-la. Isso acontece porque tanto o Direito quanto a Sociologia desenvolveram teorias e métodos próprios, que os diferenciam de outros campos do saber, e também conseguiram criar instituições capazes de defender e regular a qualidade daqueles que atuam na área.
A política, embora seja um tema transversal a outras áreas, como a História e o Jornalismo, tem na Ciência Política um conjunto próprio de teorias e métodos específicos, além de vasta produção empírica de como funcionam as instituições políticas. Falar sobre política é diferente de explicar o que são e como funcionam suas instituições, como o Poder Executivo e Legislativo se relacionam para organizar a agenda política e a importância dos valores democráticos para a sociedade.
Nos últimos anos, segundo o Censo da Educação Superior, publicado pelo Inep, a quantidade de cursos de graduação em Ciência Política cresceu 18% em 2021 e 15% em 2022. De 28 cursos em 2020 fomos para para 38 em 2022. Esse crescimento foi alavancado pelo aumento de cursos a distância, movimento já identificado nos dados globais do censo do ensino superior brasileiro. Os cursos de Ciência Política a distância eram 13 em 2020 e 25 em 2022. Já o ensino presencial se reduziu ao longo do triênio, de 15 para 13 cursos. Dos 38 cursos de Ciência Política, 29 são na iniciativa privada e 9 são em instituições públicas. Não é prudente acreditar que a qualidade se manterá, sem sequer haver diretrizes formais para cursos de graduação e mesmo sobre a atuação do cientista político.
Uma máxima da Ciência Política é que o recrutamento de quadros é fundamental para garantir a qualidade e o cumprimento dos objetivos de uma instituição. Indivíduos bem formados garantem o debate plural, a persecução de metas e estabelecimento de objetivos. Não se pode, portanto, esperar que a democracia, as políticas públicas e o sistema político magicamente melhore sem que tenhamos pessoas qualificadas para o ensino da política e a formação de pessoal de Estado capacitado. Assim, não podemos correr o risco de se dizer qualquer tolice quando se ensina política, uma vez que, sem regulamentação, não há qualquer controle de qualidade. Regulamentar não é burocratizar per si, é definir o mínimo a ser exigido para um debate qualificado, especialmente em um momento que o mercado de trabalho na área está em crescimento.
Vale ressaltar que a complexidade da política, explicada pela Ciência Política, parece ganhar cada vez mais relevância, principalmente quando as expectativas da sociedade são frustradas, ou quando não se entende os porquês das macrodecisões políticas. Vivemos um momento de polarização política, de grande desconfiança sobre as instituições e do espraiamento de fake news. Dito de outra forma, não é razoável esperar que a democracia, as políticas públicas e o sistema político melhorem magicamente. Nesse sentido, a Ciência Política possui uma responsabilidade que deve ser base para uma educação cívica.
O debate sobre a regulamentação precisa ser antes do ponto de não retorno, justamente quando será impossível qualquer lógica de ação coletiva em torno de um denominador comum sobre o que é ser um cientista político e como ele pode efetivamente contribuir para a sociedade brasileira.
Fonte: JOTA