Entulho: cidades mais sujas e muito dinheiro público jogado no lixo.

A construção civil é reconhecida como um dos setores mais importantes para assegurar o desenvolvimento econômico e social, sendo destaque no Brasil por propiciar o crescimento e geração de emprego e renda para a população. Também ganha evidência como maior consumidor de recursos naturais e gerador de resíduos, sendo considerado um dos grandes causadores de impactos ambientais.

O resíduo de construção civil (RCC), conhecido popularmente como entulho, vem sendo alvo de grande preocupação e discussões, por ser um setor de muito desperdício e alta geração de resíduos. Estima-se aproximadamente 100 milhões de toneladas geradas anualmente, o que representa de 50% a 70% da massa dos resíduos sólidos urbanos gerados pelas cidades.

Devido à falta de consciência e negligência da população, muitos resíduos são depositados em locais inapropriados, causam vários riscos e impactos socioambientais como, por exemplo, proliferação de vetores de doenças, assoreamento de córregos e rios, e consequentemente poluição visual, ocasionando assim transtornos e prejuízos à cidade e aos cidadãos.

O grande marco legal, visando à mudança dessa realidade, aconteceu em 2002 com a Resolução CONAMA nº 307, que passou a classificar os resíduos em quatro classes (A, B, C e D), assim como outras diretrizes importantes, como a de que o gerador é responsável pela destinação adequada dos seus resíduos.

Nas duas últimas décadas tivemos avanços importantes que precisam ser reconhecidos, como a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, que proporcionou um aumento exponencial do número de recicladoras, que hoje são quase 400 unidades, sendo a maioria no sul e sudeste, mas com participações crescentes e expressivas também no Nordeste.

Não obstante o crescimento quantitativo das usinas após a criação da PNRS, do ponto de vista qualitativo percebemos a predominância de empresas privadas, em sua maioria pequenas e médias, que tem uma grande dificuldade na captação de resíduos e também na comercialização de agregados reciclados, materiais oriundo da reciclagem de entulho (areia, bica corrida, brita, pedrisco e rachão), que podem ser reutilizados na construção civil em aplicações não estruturais diversas, como base e sub-base em pavimentação e na fabricação de artefatos de concreto. Esses fatos são preocupantes e colocam em risco a perenidade desse mercado, que colabora para o cumprimento de uma política de Estado.

Há uma grande negligência e alta morosidade do poder público em apoiar com veemência a atividade de reciclagem de entulho. É necessário criar estratégias para educação ambiental das partes envolvidas, criar mecanismos de fiscalização consistentes para o descarte correto dos resíduos de construção, assim como fomentar o uso preferencial do material reciclado, que além de mais acessível, contribui para poupar a vida útil de aterros e reduzir o consumo de recursos naturais.

A grande realidade é que existe uma inércia “burra” na cadeia de resíduos da construção. As Prefeituras negligenciam o assunto, gastam milhões todos os anos limpando pontos viciados de descarte clandestino espalhados pelas cidades, que crescem de forma ininterrupta. Pequenos geradores, geralmente, não têm educação ambiental suficiente, além de não existirem pontos de entrega voluntária ou soluções similares. Grandes geradores muitas vezes se veem refém de um sistema frágil, transferindo a responsabilidade do descarte do transportador, que passa a fazer o papel de “atravessador”, pois ele faz o elo com a suposta destinação final.

Os caçambeiros vivem um mercado com baixa instrução e alta concorrência, que são vistos como “vilões”, mas que, na realidade, são o elo mais fraco de toda a cadeia e ficam refém de um mercado que não funciona como deveria. Por fim, os destinatários, que são representados pelas ATTs – Áreas de Transbordo e Triagem -, Aterros de inertes e Recicladoras de Entulho, que tem uma grande dificuldade na captação do resíduo por conviverem com a concorrência desleal do descarte clandestino, além de ter uma enorme dificuldade de escoar materiais reciclados por falta de apoio do poder público, por preconceito ou até mesmo desconhecimento do mercado.

Ainda há esperança por mudanças e avanços importantes precisam ser reconhecidos.  O grande exemplo de sucesso que temos fica em Jundiaí no interior de São Paulo, que pode servir de inspiração e modelo para ser replicado em cidades de pequeno e médio. Tudo começou com a criação do GERESOL, centro para gerenciamento dos resíduos sólidos, além da concessão para uma empresa privada implantar e operar uma recicladora de entulho. Em seguida, foi implantado um sistema eletrônico de monitoramento, juntamente com diálogo com os transportadores, além de campanhas de conscientização com os geradores. Isso proporcionou nos últimos anos a ELIMINAÇÃO de mais de 1.000 Pontos Clandestinos, além de uma ECONOMIA de cerca de 10 MILHÕES ANUALMENTE com uso de agregados nas obras públicas.

É preciso se inspirar para repensar a forma como a cadeia de resíduos de construção está estruturada para sairmos da velha inércia, que não funciona. Nenhuma das partes está satisfeita no atual modelo. Todos estão perdendo. A mudança começa com o conhecimento, que a ABRECON juntamente com o Portal PREFEITOS & GOVERNANTES se propõe a fazer por meio de artigos que questionem o status quo e fomentem a formação de novos agentes de mudanças, capazes de transformar problemas em soluções sustentáveis.

E você? Quer vir com a gente? É só o começo e temos um longo caminho pela frente. Juntos Somos Mais Fortes.

Hewerton Bartoli, formado em administração pela PUC Minas com MBA em Construção Civil pela FGV SP e em Resíduos Sólidos pela USP. Foi um dos fundadores e é o atual presidente da ABRECON – Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição. É sócio da R3CICLO, empresa de demolição, gestão e reciclagem de resíduos. Também atua com consultoria e soluções técnicas pela iRCD – Inteligência em Resíduos de Construção & Demolição.

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