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Municípios precisam preparar e antecipar políticas públicas de longevidade

A crescente participação do segmento idoso na estratificação social do Brasil pode ser atestada a partir de dados estatísticos dando conta de que, a cada ano, cerca de 600 mil pessoas passam a integrar este público. Projeções demográficas dão conta que, em 2025, o Brasil será o sexto país com maior número de idosos no mundo e que estamos testemunhando uma mudança de perfil etário, deixando de ser um país de jovens, cujo segmento está por ser suplantado pelo grupo representado pela “terceira idade”.

Evidentemente que tal mudança de configuração social afeta diretamente as ações do Estado que se concretizam por meio das políticas públicas, as quais podem ser definidas como ações ou reações do poder público voltadas à resolução de demandas sociais, buscando alcançar a justiça social e a redução das desigualdades.

Estamos classificados entre os campeões da desigualdade social, condição que não é diferente na composição do segmento idoso, no qual as mulheres são a indiscutível maioria, pois, segundo o IBGE, elas vivem cerca de oito anos a mais do que os homens, possuem menos anos de escolaridade e são mais pauperizadas. Também os negros são penalizados: representam apenas 7% dos idosos e estão entre os mais pobres estratos populacionais do Brasil, com uma taxa de sobremortalidade maior que as demais etnias.

Este rápido sobrevoo sobre o perfil desta crescente parcela da população, por si só, demonstra a urgente necessidade de se identificar a sua composição a fim de redirecionar as políticas públicas às pessoas idosas, especialmente os mais vulneráveis, amoldando-as à nova realidade da segmentação social que se avizinha, permitindo-lhes avançar na “entrega” de patamares mínimos de qualidade de vida.

No que tange à positivação dos direitos das pessoas idosas em nosso ordenamento jurídico, verificamos que estão suficientemente protegidos, desde preceitos constitucionais até a Política Nacional do Idoso ou mesmo o Estatuto do Idoso, instituídos por meio de legislação posta e que indicam o “mundo ideal” dos direitos das pessoas idosas, mas que, infelizmente, não se materializam na realidade, haja vista um nítido lapso de efetividade nas ações estatais, concretizadas por meio da implementação de políticas públicas.

Os trabalhos desenvolvidos por órgãos de controle externo – e aqui citamos ações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo dedicadas à análise e avaliação de municípios com maior participação populacional do segmento idoso – têm buscado identificar quais ações estão sendo realizadas para a sua solução, quer seja por meio dos Centros de Convivência do Idoso, Programa de Saúde da Família, atendimento domiciliar e teleassistência, entre outros.

Como resultado e diagnóstico desta atuação, podemos indicar que a excessiva centralização, a falta de um adequado planejamento, bem como a inexistência de articulação de projetos com superposição de programas, tem comprometido de forma recorrente os resultados das políticas sociais voltadas não apenas ao segmento idoso, mas à grande parte das ações públicas.

Poderíamos até mesmo recomendar a necessidade da adoção de ações continuadas e de longa duração, com ênfase intersetorial e aplicadas num caráter preventivo a todas as etapas da vida, a fim de evitar as situações de agravamento das consequências do processo de envelhecimento, mesmo porque o cuidado com o idoso deve começar antes de nos tornarmos idosos.

Não se pode olvidar que as pessoas com maior idade utilizam os serviços de saúde com maior regularidade, acometidas por doenças crônicas, múltiplas e de longa duração, internações mais frequentes e tempo de ocupação de leitos mais elevado, exigindo permanente acompanhamento médico e contínuas intervenções de equipes multidisciplinares. Além disso, entre 70% e 80% da população idosa depende dos serviços de saúde pública.

Viver mais no nosso país não deve se tornar um problema, o problema está na longevidade sem qualidade de vida e, por isso, o Estado precisa se antecipar, revisitar seu planejamento a partir das projeções que indicam essa nova formatação da pirâmide etário-social no Brasil e fazer se concretizar tudo aquilo que a nossa legislação estabelece como direitos das pessoas idosas, não permitindo que a formidável conquista por uma maior expectativa de vida se transforme num problema, um risco social decorrente de maior longevidade desacompanhada de um nível mínimo de qualidade de vida.

Cabe à cada um de nós, pessoas ou instituições, no pleno exercício da cidadania e das competências, atuar em busca de sua resolutividade, afinal, parafraseando a reflexão de Kierkegaard, “A vida só pode ser entendida retrospectivamente, mas deve ser vivida progressivamente”.

*José Paulo Nardone é Diretor-Técnico da Unidade Regional do Tribunal de Contas em Bauru (UR-02), Professor Universitário e Mestre em Direito do Estado.

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