O cálculo da cota-parte dos municípios na repartição das receitas tributárias deve levar em conta o valor efetivamente arrecadado, e não a expectativa de arrecadação. Esse entendimento foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, no julgamento de uma ação apresentada pelo município de Edealina (GO). O caso foi julgado em sessão virtual e tem repercussão geral.
O município questionou decisão do Tribunal de Justiça de Goiás que afastou a integração da isenção tributária do cálculo da cota municipal porque o benefício, previsto nos programas Fomentar e Produzir, havia sido concedido antes do recolhimento do tributo.
A decisão questionada considerou que deve valer a tese fixada pelo Supremo no Tema 653, segundo a qual é constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas cotas devidas às municipalidades.
No recurso extraordinário, o município alegou que a interpretação do tribunal estadual foi contrária ao entendimento firmado pelo Supremo no Tema 42, segundo o qual a parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) constitucionalmente devida aos municípios em razão da concessão de incentivos fiscais configura interferência indevida do estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias.
O governo de Goiás, por sua vez, sustentou que a repartição do ICMS só pode ser calculada sobre o produto efetivo da arrecadação, e não sobre a expectativa de valores que ainda não ingressaram nos cofres estaduais.
Entendimento predominante
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que os programas não violam o sistema de repartição de receitas tributárias, desde que seja preservado o repasse da parcela pertencente aos municípios quando do efetivo ingresso do tributo nos cofres públicos estaduais.
Segundo Gilmar, em relação à parcela fomentada, basta que se cumpram as obrigações acessórias de cada um dos programas, inexistindo qualquer previsão de recolhimento, ainda que indireto, desse montante para os cofres públicos estaduais antes da quitação do saldo devedor financiado.
“Entendo que a parcela de ICMS fomentada, nos dois programas, por não ser efetivamente paga no período em que a parcela não incentivada é arrecadada, tem o seu recolhimento diferido/postergado.”
Dessa forma, ele entendeu que a parcela fomentada é mensalmente apurada e escriturada como saldo devedor de ICMS, a ser pago posteriormente, conforme procedimentos próprios dos programas.
“Sendo assim, forçoso concluir que, em não havendo ingresso desse montante no erário estadual, o presente caso comporta particularidades que, invariavelmente, distinguem o seu objeto da discussão travada no julgamento do Tema 42.”
Gilmar ainda argumentou que o programa Prodec, discutido no Tema 653, contava com sistemática diferente daquela prevista nos programas Fomentar e Produzir.
“Diferentemente das parcelas do Prodec, os valores diferidos/postergados no bojo do Fomentar e do Produzir (ainda) não podem ser considerados receita pública, eis que não houve, nem ao menos de forma indireta, a entrada do tributo no patrimônio do estado de Goiás”, explicou ele.
Dessa forma, o ministro considerou que, à luz do conceito técnico de arrecadação, não se pode exigir o repasse da parcela diferida ou postergada de ICMS no caso em tela.
“Partindo-se de uma visão concreta do modelo implementado pelo estado de Goiás, entendo que houve a concessão de incentivo fiscal que não fere o critério de repasse do ICMS aos municípios”, concluiu.
Foi fixada a tese para o Tema 1.172, com repercussão geral:
Os programas de diferimento ou postergação de pagamento de ICMS — a exemplo do Fomentar e do Produzir, do estado de Goiás — não violam o sistema constitucional de repartição de receitas tributárias previsto no art. 158, IV, da Constituição Federal, desde que seja preservado o repasse da parcela pertencente aos municípios quando do efetivo ingresso do tributo nos cofres públicos estaduais”.
O entendimento foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandovski, Roberto Barroso, Nunes Marques, Rosa Weber e André Mendonça.
Divergência
O ministro Alexandre de Moraes divergiu do entendimento do relator ao considerar que o repasse da cota constitucionalmente devida aos municípios não pode se sujeitar à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual, aplicando-se a orientação fixada no Tema 42.
“Considero que o entendimento desta Suprema Corte no sentido de que o repasse da quota constitucionalmente devida aos municípios não pode se sujeitar à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual aplica-se também à hipótese dos autos.”
Segundo Alexandre, o fato de o recolhimento do ICMS se dar de forma diferenciada e postergada não é suficiente para justificar o adiamento do repasse aos municípios da cota que lhes corresponde.
“Se o estado, no exercício de sua competência tributária, opta por criar programas de pagamento diferenciado/postergado do ICMS, ele deve suportar os encargos e consequências do respectivo programa, não podendo repassá-los aos municípios. Não se diga que tal fato traria prejuízos ao estado instituidor dos programas, posto que receberá as diferenças correspondentes da forma por ele próprio estabelecida nos programas correspondentes.”
Com informações do Conjur