O controle interno na agenda dos novos gestores municipais

Bárbara Krysttal e Jorge de Carvalho, Colunistas da Prefeitos & Governantes

Mais um ciclo de governos municipais se inicia nas Prefeituras e Câmaras de todo o país em 2021 e, com ele, o receio de que políticas públicas até então em execução sejam descontinuadas, que a inexperiência de equipes do alto escalão maciçamente reformuladas ocasionem erros e letargia nas decisões administrativas e que os beneficiários finais dos serviços públicos, os cidadãos, sejam negativamente afetados por causa de uma transição governamental desajustada e apressada, agravada pela realização tardia das eleições no presente ano por conta da pandemia da Covid-19.

Infelizmente esse é um cenário previsível em muitas gestões municipais, um filme já assistido pela população há tempos e que vem sendo reprisado a cada quatro anos. A descontinuidade administrativa tem sido a tônica em boa parte das comunas do Brasil e encontra vários fatores como causas, cabendo destacar: a inexistência de carreiras estruturadas formadas por servidores de cargo efetivo em áreas-chave das organizações, a visão de governo (curto prazo) e não de Estado (longo prazo) dos novos gestores e as deficiências estruturais dos controles internos.

Esse último fator merece atenção especial, pois a implementação e adequado funcionamento dos controles internos em ambiente governamental deriva de mandamento constitucional³, presente, portanto, há mais de três décadas no nosso ordenamento jurídico pátrio.

Mas o que vem a ser esse tal controle interno e qual a sua importância no contexto do setor público? Um estudo desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2009 com o título “Critérios Gerais de Controle Interno na Administração Pública” define o controle, em termos genéricos, como uma ação tomada com o propósito de se certificar que algo seja cumprido de acordo com o que foi planejado, e que a sua existência só tem significado e relevância se houver riscos de que os objetivos pactuados não sejam alcançados.

Logo, controles internos satisfatoriamente desenhados devem ser direcionados à mitigação de riscos que possam afetar a concretização dos objetivos do Estado, em sentido amplo. Como a atuação estatal é significativamente variada, os controles também devem ter alcance diversificado, priorizando sempre riscos inerentes de maior escala (ou seja, de maior probabilidade e impacto).

É por isso que uma boa estrutura de controles internos deve ser delineada, minimamente, nas dimensões estratégica eoperacional (aspectos relacionados aos objetivos primordiais das organizações),além das áreas de comunicação e de conformidade (compliance), pois além de disponibilizar para a sociedade bens e serviços de qualidade, os governos devem, de forma inafastável, prestar contas da sua atuação e ser transparentes, já que utilizam como fonte de financiamento primária os tributos recolhidos dos cidadãos e empresas.

Em que pese não existir legislação nacional que normatize a estrutura dos controles internos para todos os entes federados, estudos capitaneados pelo Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci)4 sinalizam a importância de atuação em quatro macrofunções:

– ouvidoria:objetiva fomentar o controle social e a participação popular, por meio do recebimento, registro e tratamento de denúncias e manifestações do cidadão sobre os serviços prestados e a adequada aplicação de recursos públicos, com foco na melhoria da sua qualidade, eficiência, resolubilidade, tempestividade e equidade;

– controladoria: tem por finalidade orientar e acompanhar a gestão governamental para subsidiar a tomada de decisões a partir da geração de informações, de maneira a garantir a melhoria contínua da qualidade do gasto público;

– corregedoria:visa apurar os indícios de ilícitos praticados no âmbito da administração pública e promover a responsabilização dos envolvidos, por meio da instauração de processos e adoção de procedimentos, voltados inclusive ao ressarcimento do erário, nos casos em que houver dano;e

– auditoria:função destinada a avaliar os controles internos administrativos dos órgãos e entidades, examinar a legalidade, legitimidade e aferir os resultados da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à economicidade, eficiência, eficácia e efetividade, bem como da aplicação de recursos públicos por pessoas físicas e jurídicas.

A implementação de estruturas de controle com esta envergadura, ajustadas às peculiaridades de cada Município tomando por base avaliações de riscos locais, pode contribuir decisivamente para a execução das políticas públicas, para a conformidade dos atos de governo ao regramento normativo vigente e para a devida prestação de contas.

Assim, o controle interno deve estar na agenda dos novos prefeitos e presidentes de câmaras municipais desde o primeiro dia de suas gestões, competindo a estes apoiar a cultura de comportamento ético e responsável em todoo aparelhamento estatal, estabelecer estruturas de governança apropriadas e, com isso, conceder o indispensável suporte às unidades de controle em termos de autonomia e recursos para o pleno desenvolvimento de suas atribuições.

A sedimentação do controle interno na cultura organizacional dos Poderes Executivo e Legislativo municipais é crucial para que as mudanças de governos decorrentes do pleito eleitoral não provoquem descontinuidade no atendimento dos interesses sociais legítimos e que os objetivos estratégicos de longo prazo das instituições públicas prevaleçam independentemente dos ciclos administrativos quadrienais. Controlar é preciso!

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  • ¹ Bárbara Krysttal é Gestora de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (USP), com foco em Controle e Defesa Nacional. Especialista em Controle, pela Escola de Contas do TCMSP. Conselheira de Combate à Corrupção. Auditora de Operações Especiais. Consultora de Inteligência e Contra Inteligência Sagres e Líder de Pesquisa de Políticas Públicas de Defesa Nacional pelo LABSDEN ESG. Também já atuou na Corregedoria Estadual de São Paulo e na Controladoria Municipal de São Paulo.

  • ² Jorge de Carvalho é Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Contador graduado pela Uneb, especialista em gestão pública municipal, contabilidade governamental, direito público e controle municipal. Coautor de livros sobre auditoria e contabilidade aplicada ao setor público.

  • ³ Constituição Federal, art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
  • I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
  • II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
  • III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

4 Panorama do controle interno no Brasil – 2017 (3ª edição).

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