fbpx

Retorno da CPMI das Fake News e cerco às plataformas digitais são algumas das iniciativas do poder público para tentar frear o problema em 2022

A comissão parlamentar que investiga ações orquestradas de desinformação e ataques a instituições nas redes sociais no Brasil pode voltar a funcionar nas próximas semanas depois de quase dois anos da suspensão dos trabalhos em razão da pandemia de coronavírus. A previsão foi anunciada pelo presidente e pela relatora do grupo que, por ser integrado por senadores e deputados federais, é denominado de CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito).

O retorno da CPMI das Fake News é mais uma frente do poder público para combater a campanha de ódio e notícias falsas nas redes durante as eleições deste ano. A proximidade do pleito no país também levou, na segunda-feira (17), o Twitter a anunciar a liberação de uma ferramenta de denúncia de postagens de conteúdo enganoso — medida que ocorre após a pressão de usuários e do Ministério Público Federal, que investiga as plataformas digitais. A propagação de fake news para fins políticos é também alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal e de medidas de prevenção implantadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Neste texto, o Nexo mostra o histórico e os avanços da CPMI, quais são as outras frentes de combate ao problema e analisa com os cientistas políticos Tathiana Chicarino e Cláudio Couto os desafios de combater a desinformação por essas vias.

CPMI das Fake News: criação e avanços
Instalada no dia 4 de de setembro de 2019, a comissão parlamentar mista foi criada para investigar, no prazo de 180 dias (seis meses), ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, além da utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições em 2018 — em que Jair Bolsonaro foi escolhido presidente. Os trabalhos foram interrompidos com a pandemia, mas a validade da comissão foi prorrogada em abril de 2020, permitindo o seu retorno em outro momento.

Agora, as atividades podem ser retomadas em fevereiro de 2022, antes do Carnaval. Com 16 deputados e 16 senadores, a comissão é presidida pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) e tem relatoria da deputada Lídice de Mata (PSB-BA). Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a parlamentar declarou que o foco de atuação deve ser mantido no pleito de 2018, mas que a CPMI pode oferecer caminhos para prevenir a circulação de desinformação nas eleições de 2022.

Ao G1 o presidente da comissão disse que uma das ideias é criar parcerias com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com o Ministério Público Federal e com a Polícia Federal para compartilhar informações durante a campanha eleitoral, cujo início está previsto para 16 de agosto.

Durante o tempo em que esteve ativa, a comissão convocou representantes legais de plataformas como WhatsApp, Twitter, Google, Instagram e Facebook e ouviu depoimentos de parlamentares como Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSDB-SP). Eleita pelo PSL, a deputada federal chegou a ser líder do governo Bolsonaro no Congresso e disse ter sido alvo da rede de ataques e desinformação. Ambos declararam à comissão a existência de um “gabinete do ódio” no Planalto e de uma “milícia digital” de apoiadores que usa a máquina pública para promover ataques a adversários do governo, suspeita que é investigada.

No mesmo ano da instalação da comissão, o Supremo Tribunal Federal abriu o inquérito das fake news para investigar ofensas, ameaças e desinformação contra ministros da corte. No dia 4 de agosto de 2021, a pedido do TSE, o relator da investigação, ministro Alexandre de Moraes, inclui como investigado o presidente Bolsonaro, em razão das suas recorrentes alegações sem provas de que o sistema de voto eletrônico é passível de fraude. No âmbito do inquérito, Moraes também decretou a prisão do influenciador digital bolsonarista Alan dos Santos, em outubro de 2021. O ministro atendeu a um pedido da Polícia Federal; segundo investigações do órgão, Santos, criador do site Terça Livre, foi apontado como líder de grupos que atacam as instituições e a democracia.

Justiça eleitoral: mais transparência
Após os ataques sistemáticos de Jair Bolsonaro contra urnas eletrônicas, o TSE anunciou, em 4 de outubro de 2021, medidas para garantir a fiscalização e a segurança do voto eletrônico em 2022.

Além de ter antecipado a divulgação dos códigos-fonte das urnas (em termos básicos, são milhões de linhas de programação que determinam como o sistema deve funcionar) para que seja possível sua inspeção pela sociedade, o tribunal criou uma Comissão de Transparência das Eleições. O objetivo é aumentar a participação de especialistas, representantes da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditagem do processo eleitoral.

O TSE também renovará as urnas eletrônicas (com 200 mil novos equipamentos) e anunciou campanhas sobre a importância da democracia. Parceria com agências de checagem, plataformas de mídias sociais, imprensa e outras organizações da sociedade civil para combate à desinformação, a exemplo do que ocorreu nas eleições municipais de 2020, também está nos planos do tribunal para este ano. Outra medida foi a unificação do horário de votação em todo o país. Aprovada em dezembro, a regra determina que todos os estados sigam o horário de Brasília para o recebimento dos votos.

Em decisão inédita, em outubro de 2021, o tribunal cassou o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) pela propagação de notícias falsas sobre a urna eletrônica no primeiro turno das eleições 2018. Francischini respondia a uma ação do Ministério Público eleitoral do Paraná por uma live de 18 minutos em seu perfil no Facebook, em que dizia que as urnas haviam sido fraudadas para impedir a vitória de Bolsonaro. Na decisão, o TSE entendeu que o deputado cometeu abuso de poder e usou indevidamente os meios de comunicação.

Ministério Público: cerco a plataformas
O Ministério Público Federal instaurou em 8 de novembro inquérito civil público para que empresas como WhatsApp, Telegram, Facebook, Twitter, TikTok e YouTube esclareçam as medidas que tomam contra práticas organizadas de desinformação que ocorrem nas plataformas, principalmente sobre democracia e saúde pública (em razão das fake news sobre a pandemia de covid-19). A Procuradoria pretende realizar audiências públicas para debater o tema, com o auxílio de especialistas.

Paralelamente, movimentos espontâneos no Twitter, como o perfil Sleeping Giants Brasil, entre outros, vinham lançando hashtags pressionando para que a plataforma inclua um canal de denúncia de fake news; na segunda-feira (17), a empresa lançou o recurso de teste que permite a denúncia de desinformação. Dias antes, na quarta-feira (5), a hashtag #TwitterApoiaFakeNews ficou no 1° lugar entre os assuntos mais falados depois que a plataforma verificou — ou seja, concedeu um selo de autenticidade — o perfil da bolsonarista Bárbara Destefani, investigada por suspeita de propagar fakes news.

A plataforma exigiu ainda que o pastor Silas Malafaia excluísse postagens em que ele chamava a vacinação infantil de “infanticídio”. O empresário bolsonarista Luciano Hang também foi punido por compartilhar um vídeo contra a imunização de crianças e teve a conta suspensa por três dias.

Entre as plataformas, o maior desafio do Ministério Público Federal e do TSE é o Telegram, aplicativo de mensagens criado na Rússia. As instituições tentaram notificar a empresa, mas não conseguiram: não há nenhum representante no Brasil. Em dezembro de 2021, o presidente da corte eleitoral, Luís Roberto Barroso, enviou ofício ao diretor-executivo do Telegram, Pavel Durov, solicitando uma reunião para definir formas de cooperação no combate à desinformação, mas ainda não obteve resposta.

Análise: quais frentes serão eficazes?
Para a cientista política Tathiana Chicarino, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), a Comissão de Transparência das Eleições do TSE é uma das iniciativas com mais potencial no combate à desinformação sobre as urnas eletrônicas e eleições. “Ela junta pessoas de diferentes setores e traz um conhecimento amplo sobre o fenômeno da desinformação. A comissão vai olhar para a eleição antes e durante o pleito. Uma das estratégias discursivas do Bolsonaro é atacar o elemento mínimo da democracia, que é o voto, tentando criar um ambiente de desconfiança. E esse é um dos alvos dessa comissão”, disse Chicarino ao Nexo.

Para a pesquisadora, estudos de recepção realizados com eleitores de São Paulo nas eleições municipais de 2020 apontam que temas como fake news, desinformação e discurso de ódio estão mais na cabeça das pessoas, o que deve contribuir para um maior entendimento delas. Segundo Chicarino, não haverá tanta surpresa por parte dos eleitores, instituições e adversários em 2018, mas a desinformação continuará a ser um elemento decisivo. “Teremos que observar como as instituições vão responder. Tem muitos desafios.”

Entre as iniciativas citadas, o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e produtor no canal do YouTube “Fora da Política Não Há Salvação”, acredita que a volta da CPMI das Fake News seja a de menos impacto. “Pode ser um ótimo palanque eletrônico para quem estiver nele, mas vai depender da intensidade do trabalho. Ela não é tão chamativa quanto a CPI da Covid. Não sei se terá fôlego para resultado, a não ser que tope com algum fato estrondoso”, disse Couto ao Nexo.

Tanto Couto quanto Chicarino pontuam que a fiscalização sobre as plataformas será importante para inibir a disseminação de fake news. “Precisamos ver como o YouTube vai agir nessa frente e como as informações vão circular em redes paralelas, como o Telegram, que está distante do controle. Seria de se esperar algum tipo de ação a respeito do seu funcionamento no Brasil”, disse Couto ao Nexo.

Chicarino aponta que movimentos espontâneos de perfis como o Sleeping Giants Brasil também são primordiais na pressão. “Sabemos que são empresas com muito poder, que tentam impedir o avanço da transparência algorítmica e regulamentação. Mas instituições de Estado devem olhar mais para essas plataformas”, falou Chicarino ao Nexo.

Da Redação

Prefeitos & Governantes

Início