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Araraquara (SP): modelo de contenção da epidemia

Prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT) foi responsável por instaurar na cidade o regime de lockdown para combate à Covid-19. De assolado pela lotação máxima nos leitos da UTI e pela nova variante de Manaus, que elevou o número de mortes, o município tornou-se modelo de contenção da epidemia, chegando a registrar zero óbito pelo vírus em 24 horas na semana passada, um mês após a adoção da medida.

Mesmo assim, Edinho foi ameaçado de morte por comerciantes da cidade, sofreu críticas e pressão até de outros políticos pela reabertura. Em entrevista, ele relata os episódios, ataca a onda negacionista que tomou conta do país e faz duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na condução da “maior tragédia humanitária” do país.

Como Araraquara tem combatido a Covid-19?

Edinho – Para contextualizar, é importante dizer que em 2020 Araraquara foi referência positiva por ter a menor taxa de letalidade do estado de São Paulo e a terceira no Brasil entre cidades com mais de 100 mil habitantes. Montamos estrutura que funcionou bem já em março de 2020, começamos as iniciativas, instituímos comitê de contingência, criamos comitê científico. Araraquara tem hoje mais de 41 mil testes por 100 mil habitantes. A média nacional é 13.392. A de São Paulo, 26.211. Então, é uma cidade que fez a lição de casa. Os pacientes sintomáticos têm local em que são acolhidos, atendidos, fazem a testagem e, se for o caso, são encaminhados para internação. Criamos estrutura de consulta por telemedicina para acompanhar o paciente positivo que não demanda leito hospitalar, além de equipes de consulta domiciliar para atender a população dos grupos de risco. Fizemos hospital de campanha, que não desativamos na virada de 2020 para 2021. E algo muito importante para nós foram as equipes de bloqueio, que fazem a visitação após o paciente ser testado positivo e colocam em quarentena, mas também monitora todos os comunicantes. E para fazer gestão de toda essa estrutura, montamos centro de monitoramento de inteligência.

Houve alguma cidade que serviu de espelho para a adoção do lockdown?

Edinho – Começamos a procurar no Brasil alguma experiência que pudesse nos ajudar, não achamos. Pelo quadro que Araraquara vivia de crescimento e de contaminação muito rápidos, com pacientes jovens, percebemos que era outra doença, pela capacidade que essa variante tem de contaminação e de levar o paciente muito rapidamente a piorar. Resolvemos fazer o que a ciência pedia, que era fechar tudo que gerava aglomerações. Fechamos os mercados por seis dias e retiramos o transporte público de circulação por 10. Posteriormente, voltamos para a fase emergencial do Plano São Paulo que já é muito restritiva, só abre serviços essenciais. Nesses 10 dias, só permitimos que farmácias e unidades de saúde ficassem abertas.

E quais foram os benefícios imediatos dessa medida?

Estamos atendendo cidades até de fora do estado de São Paulo. Dos nossos leitos de enfermaria, 51% já estão sendo ocupados por pacientes de fora. E 65% dos leitos de UTI também são de pacientes de fora

Edinho – Precisávamos tirar a pressão sobre os leitos hospitalares, e digo a você que tiramos. Estamos há praticamente 30 dias sem nenhum paciente aguardando internação em nossos leitos, não tem fila de internação em Araraquara. Ao contrário, estamos atendendo a região. Temos um total de 195 pacientes internados (dados da noite de 31/03). Desses, 57% já são de fora de Araraquara. Estamos atendendo cidades até de fora do estado de São Paulo. Dos nossos leitos de enfermaria, 51% já estão sendo ocupados por pacientes de fora. E 65% dos leitos de UTI também são de pacientes de fora. Nossa taxa de ocupação de UTI é de 75%, e de enfermaria também. Se tirássemos os pacientes de fora da cidade, Araraquara, que teve um colapso no sistema de saúde, teria hoje ocupação de 25% dos leitos de UTI e 37% dos leitos de enfermaria. Em relação ao pico da pandemia, tivemos queda de 67% na média móvel diária de contaminações, queda de 76% dos pacientes infectados em quarentena. Temos uma queda de 61% nos óbitos, e é importante que se diga que o óbito é o indicador que mais demora para cair, porque o paciente muitas vezes está internado há 30, 40 dias. E o índice mais importante: das amostragens remetidas aos laboratórios, tivemos queda de 68% nas positivações. Então, os dados são inquestionáveis sobre essa medida. Ela é dura, amarga, difícil de ser tomada. Mas se não há vacinação em massa, como não tem no Brasil, infelizmente, a única forma de conter uma curva crescente de contaminação e os óbitos é com distanciamento social.

Qual a dimensão do atual momento do Brasil na pandemia, inclusive economicamente?

Edinho – Ontem, vimos o Brasil chegar perto de 4 mil óbitos em 24 horas. É uma catástrofe humanitária. Na minha avaliação, a pior catástrofe humanitária da história brasileira. A maior tragédia humanitária do mundo pós-Segunda Guerra Mundial. O Brasil já é a curva de contaminação e de óbitos do planeta. Já passamos os EUA, que com o Biden tem feito o correto: uma política de vacinação célere e um pacote de socorro aos setores econômicos fragilizados. Então, os americanos estão mostrando, assim como a maior parte das potências europeias e asiáticas, que a crise econômica que vivemos não é por contradição entre vida e economia. Essa contradição é falsa, não existe. A instabilidade gera crise econômica. E o fator de instabilidade no Brasil e no mundo é a pandemia. Por que as grandes potências econômicas do planeta estão priorizando a vacinação e lançando pacotes de socorro? Porque as duas ações vão permitir que os países voltem ao crescimento econômico mais rápido que os outros. Então, infelizmente, o que vamos ver no pós-pandemia é que as grandes potências vão se consolidar ainda mais. Na América do Sul, o Chile vai sair na frente, por adotar essas medidas.

Como você vê as medidas adotadas pelo Brasil?

Edinho – Na minha avaliação, estamos fazendo absolutamente tudo errado no Brasil. É só olharmos a história depois da Segunda Guerra Mundial. A última coisa que você debate quando está em uma economia de guerra – e o que vivemos no mundo é uma depressão econômica como se fosse uma Terceira Guerra Mundial – é superavit e teto do gasto público. Os americanos e os países europeus estão expandido a base monetária, irrigando a economia, salvando os setores fragilizados. Vai gerar processo inflacionário? Claro que vai. Mas você faz com que a economia se recupere e, lá na frente, você toma as medidas para conter a inflação. Não adianta seguir outra cartilha, porque se tivermos um processo inflacionário no mundo, o Brasil também vai ser afetado.

Quais são os passos necessários para o país sair desse cenário?

Edinho – Nós deveríamos correr com as vacinas, que já estão muito atrasadas, tomar medidas sérias que gerem a queda da contaminação, para que possamos ter o mínimo de governabilidade sobre a pandemia, que é não termos mais pacientes doentes do que leitos ofertados. Porque isso é colapso, e o colapso só vai aumentar a instabilidade do país. Se conseguirmos dar celeridade ao processo de vacinação, conter os óbitos e socorrer com crédito e capital de giro os setores econômicos afetados pela pandemia, tenho certeza que a economia volta a crescer no Brasil de forma sustentável.

E como foi essa reação em Araraquara?

Araraquara fez uma experiência que foi obrigada a fazer. Não gostaria de ter feito, mas fui obrigado para que não houvesse uma acentuação da curva de óbitos. Perdemos aqui na última terça-feira um menino de 30 anos. Convivi com ele, tinha um potencial absurdo. Pai de duas crianças pequenas, uma família jovem, cheia de sonhos. Quando se enterrou esse menino, não enterrou um corpo, mas os sonhos de uma pessoa, os projetos de uma família, a ausência de um pai. Se isso não sensibiliza as pessoas, eu não consigo entender. Não estamos falando de números, mas de 315 mil famílias no Brasil enlutadas, vidas ceifadas, dores que nunca mais serão superadas. Não é possível que o ser humano tenha perdido a empatia, a capacidade de se por no lugar e sentir a dor do outro. Não é possível que tenhamos virado pedra a esse ponto.

Fonte: Yahoo

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