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Desafios que a saúde pública tem enfrentado no Brasil

A falta de financiamento do SUS e a má distribuição de médicos nos municípios, estão entre as dificuldades

A saúde pública no Brasil tem dois grandes desafios: encontrar formas de financiar o Sistema Único da Saúde (SUS) em meio ao teto de gastos e qualificar o atendimento em um cenário no qual brasileiros estão cada vez mais empobrecidos e dependentes de políticas públicas, após a pandemia de covid-19.

O governo federal calcula que 100 milhões de brasileiros dependem de algum tipo de assistência. Além disso, o SUS é a única fonte de atendimento de 70% da população. Estudos mostram que, após ser criado, o sistema público de saúde reduziu mortalidade infantil, aumentou expectativa de vida e incrementou a cobertura vacinal — antes, pobres dependiam da assistência de Santas Casas e outras entidades.

Nos próximos quatro anos, especialistas e gestores municipais destacam que o governo federal precisará expandir o atendimento para atender aos mais pobres enquanto reforça importantes programas que perderam verba, como o Farmácia Popular, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e o “Mais Médicos” — este, em específico, o governo atual anunciou recentemente sua volta, só que dessa vez sem a participação de imigrantes.

Todavia, o governo federal é pressionado pelo teto de gastos, pelos maiores custos com inflação e judicialização de pedidos, além de elevada demanda devido ao envelhecimento populacional e à fila de consultas e cirurgias represadas na pandemia.

Os números mostram que o orçamento do Ministério da Saúde inflou nos dois primeiros anos da pandemia, mas enfrenta ressaca: o projeto de lei orçamentária de 2023 enviado pelo governo Jair Bolsonaro para aprovação do Congresso foi de R$ 146,4 bilhões em valores corrigidos pela inflação, a menor em dez anos e R$ 16,5 bilhões abaixo do orçamento da pasta deste ano, segundo estudo da consultoria técnica da Câmara e do Senado.

O atual governo afirma que os cortes ocorrem para respeitar o teto de gastos, responsável por limitar investimentos do setor público. Em nota publicada, o Ministério da Economia diz que o orçamento enviado para o Congresso, foi feito “em contexto desafiador, em meio ao elevado nível de indexação e rigidez alocativa das despesas, o que obrigou a uma alocação de recursos conservadora”, mas que o Parlamento poderá alterar.

Já o teto de gastos é uma emenda à Constituição que deverá ser respeitada. De 2018 até 2022, a medida fará o SUS deixar de receber quase R$ 36,9 bilhões, segundo estudo da Associação Brasileira de Economia em Saúde (ABrES). “O atual governo terá que rever programas cortados no governo passado. Temos um pós-pandemia com pessoas esperando atendimento e os mais pobres migrando ao SUS porque perderam planos de saúde. Senão, não vamos conseguir atender da forma equânime como gostaríamos”, alerta Diego Espindola, secretário-executivo do Conselho dos Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS).

O envelhecimento da população brasileira aumentará em 11% as despesas em saúde pública entre 2017 e 2030, uma vez que mais idosos buscarão atendimento para doenças crônicas, mostra relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) entregue à equipe do governo federal. O documento aponta que o cenário é “desfavorável” à ampliação de gastos no SUS porque já há tendência de aumento da necessidade de recursos e que mais verbas usadas podem “agravar ainda mais a desassistência verificada na atualidade”. Os magistrados indicam que o SUS apresenta sinais de insustentabilidade e que, em 2030, a União gastará com saúde R$ 219 bilhões. Para cobrir o déficit assistencial, seriam necessários R$ 277 bilhões.

Para evitar a piora de doenças crônicas entre brasileiros, sobretudo dos mais vulneráveis, o orçamento do Farmácia Popular deve ser “recomposto de imediato”, defende a vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Marília Louvison.

Falta de recursos 

Apenas 3,6% do orçamento do governo federal foi destinado à saúde em 2018. O percentual fica bem abaixo da média mundial, de 11,7%, de acordo com a OMS. Essa taxa é menor do que a média no continente africano (9,9%), nas Américas (13,6%) e na Europa (13,2). Na Suíça, essa proporção é de 22%. O estudo aponta que o gasto com saúde no Brasil é de 4 a 7 vezes menor do que o de países com sistema universal de saúde, como Reino Unido e França, e inferior ao de países da América do Sul em que saúde não é um direito universal, casos da Argentina e Chile. 

Essa proporção não deve mudar muito pelos próximos anos, graças à Emenda à Constituição aprovada em dezembro de 2016, que limita o crescimento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Esse congelamento dos gastos vai representar perdas de R$ 743 bilhões para o SUS no período, segundo estudo do Ipea. “O SUS está subfinanciado, uma situação agravada pela crise econômica e política do país”, avalia o pesquisador. “Mesmo como problemas de gestão, o dinheiro disponível não dá conta das necessidades do setor.”

Falta de profissionais

Outro grande desafio do governo federal é reforçar equipes de saúde do interior do país, salienta o Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul. A entidade destaca que o programa Médicos pelo Brasil, desenhado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), não teve sucesso em enviar profissionais para postos de saúde de pequenos municípios como tivera o Mais Médicos. Um vazio de profissionais surgiu em diversas regiões.

Dos 497 municípios gaúchos, 269 não recebem nenhum médico dos dois programas para atender à população, segundo levantamento do Cosems-RS. É o caso de cidades como Bom Jesus, Farroupilha, Feliz, Imbé e Guaporé. No lugar, prefeituras precisam arcar sozinhas com os custos de salários de profissionais, o que pressiona o caixa municipal.

Dados do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde (Conasems) confirmam a queda na oferta de profissionais. Enquanto o Mais Médicos contratou quase 9,7 mil médicos no país, a versão do programa no governo Bolsonaro manteve 3,8 mil, diferença de 155% entre os programas.

No Rio Grande do Sul, eram 570 profissionais com o Mais Médicos, são 139, redução de 310%. O edital tentou contratar 395 médicos no estado — ou seja, apenas cerca de um terço da demanda de fato foi convocada. 

Em audiência pública no Senado em novembro do ano passado, o presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, elegeu a falta de médicos como “o principal problema do SUS”. “A falta é crônica”, avalia Tanaka, da USP. “Há uma tentativa de formar mais médicos, mas a má distribuição ainda persistirá devido à dificuldade de interiorização.” 

PPPs

As Parcerias Público-Privadas (PPPs) já vêm sendo usadas por alguns governos em áreas não assistenciais da saúde, especialmente voltadas à infraestrutura. É nesse âmbito, aliás, que as PPPs podem ser consolidadas, a fim de ampliar a rede de saúde de um município na construção de novas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por exemplo, como fez o município de Belo Horizonte, em Minas Gerais, no último mês de abril.

Consultas e cirurgias

A falta de equipes está relacionada a outro desafio do governo atual: lidar com a fila de atendimentos represados na pandemia. Levantamento do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde (Conass) estima que 11,6 milhões de cirurgias ficaram em suspenso e precisam ser feitas no país. Para atender a essa demanda reprimida, seria necessário fazer 75% a mais de cirurgias hospitalares em 2023 e 105% a mais de cirurgias ambulatoriais em relação à média histórica. Há também 1,3 milhão de exames em suspenso, grande parte de mamografia. Zerar a fila exige contratar profissionais e insumos.

“O SUS tem desafios no âmbito de estruturação, da organização das regiões de saúde e da modernização e infraestrutura. Mas o Brasil pode, em dois anos, ter a grande maioria dos serviços de saúde em uma plataforma regulatória única, se houver liderança do Ministério da Saúde. Esses sistemas existem em São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Norte, só falta o Ministério acompanhar. Hoje, 120 milhões de brasileiros vivem em regiões sem serviços de radioterapia e 128 milhões vivem sem serviços de cirurgia cardíaca”, afirma o presidente do Conass e secretário da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes.

Segundo o Fisc Saúde 2016, o Brasil apresentou uma média de 2,8 consultas por habitantes no ano de 2012, o 27º índice entre 30 países. Taxa muito inferior ao dos países mais bem colocados: Coreia do Sul (14,3), Japão (12,9) e Hungria (11,8). Segundo o pesquisador, não mudou muito desde então. “Infelizmente, a demanda é maior do que a oferta. Desde 1988, incluímos nos SUS 90 milhões de novos usuários, mas continuamos apenas gastando US$ 400 por habitante/ano.”

Distribuição de médicos

Apesar do alto número de médicos, o Brasil ainda tem dificuldade para garantir atendimento a toda a população. O estudo Demografia Médica do Brasil, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Universidade de São Paulo (USP), indica que o país tem 500 mil médicos. A maioria trabalha no Sudeste. A região, que tem 41% da população brasileira, concentra 57,3% dos médicos. O Sul, com 14% da população, abriga 16%. A situação fica dramática no Nordeste, que tem 15,7% dos médicos do país, para atender 27% da população brasileira. O Norte, onde moram 8,7% dos brasileiros, conta com apenas 3,7%.

“A população paga, muitas vezes com a própria vida, as consequências dessa desigualdade. Democratizar o acesso da população brasileira aos médicos é um dos maiores desafios da saúde pública”, comenta o presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), Eduardo Costa Teixeira.

Pontos de atenção para todos os gestores municipais

– Reforçar políticas públicas de saúde mental

– Fortalecer programa de combate ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis

– Desenvolver a indústria de produção de vacinas para tornar Brasil um país exportador de imunizantes

– Informatizar o SUS para que prontuários de pacientes possam ser acessados por qualquer profissional

– Ampliar o número de postos de saúde e leitos hospitalares

– Aumentar o valor pago para consultas, exames e cirurgias (tabela SUS)

– Desenvolver plano de carreira para médicos do SUS

– Desenvolvimento de equipamentos com tecnologia avançada;

– Diminuição de procedimentos invasivos;

– Aumento da precisão dos diagnósticos;

– Facilidade na compreensão de prognósticos;

– Aperfeiçoamento das técnicas de gestão e de administração;

– Ampliação do serviço de Telessaúde (para a diminuição de filas);

– Parcerias para a compra de novos aparelhos respiratórios (UTIs, neonatal)

– Baixos investimentos. Atualmente, o SUS cobre cerca de 75% da população brasileira

Da Redação

Fonte: GHZ, Ministério da Saúde, Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul, Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), USP, TCU, Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde (Conass)

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