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Mara Gabrilli: sempre em frente!

No dia 21 de agosto de 1994, Mara Gabrilli estava em Trindade, Rio de Janeiro, acompanhada do namorado e do melhor amigo numa viagem de fim de semana. Durante a viagem na estrada, correndo um pouco mais do que devia, o namorado perdeu o controle do carro num trecho da serra chamado não por acaso “curva da morte”, e despencou 15 metros barranco abaixo. Durante uma das capotadas, Mara quebrou o pescoço. Desde então, ficou tetraplégica e depende de assistência 24 horas por dia, inclusive para mudar de posição na cama. Mas, apesar de toda essa situação, Mara seguiu em frente com a vida.

Publicitária e psicóloga, Mara hoje é Senadora e conhece de perto os problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência. A congressista se engajou na missão de proporcionar melhores condições de vida, locomoção, acesso, enfim, vida civil minimamente respeitável aos deficientes, e a participação política efetiva foi consequência natural deste processo.

Na entrevista para a Revista Prefeitos & Governantes, Mara fala um pouco do seu trabalho como Senadora, o que tem feito e os desafios que têm encontrado. Confira!

Prefeitos & Governantes – A Câmara dos Deputados aprovou  o Projeto de Lei nº 1998/2020, que define e regulamenta a prática da Telessaúde no país. Pode nos falar um pouco sobre essa emenda? 

Mara Gabrilli – Sempre defendi políticas de prevenção já que um número bastante alto de deficiências são evitáveis por meio de ações e atendimentos apropriadas na saúde. Por isso, foi uma grande conquista a manutenção da emenda de minha autoria que acrescentou o aprimoramento do atendimento neonatal no SUS por meio da oferta de ações e serviços de prevenção de danos cerebrais e sequelas neurológicas em recém-nascidos, inclusive pelo serviço de telessaúde. 

Os deputados acataram a nossa emenda o que vai ajudar a evitar deficiências, que podem ser bastante graves com sequelas físicas, sensoriais e intelectuais, em recém-nascidos. Para nós, esse passo foi muito importante porque a telessaúde pode contribuir demais para melhorar as condições de atendimento a quem mais precisa, especialmente em regiões mais distantes dos centros urbanos e intensificar os cuidados com as nossas crianças desde as primeiras horas de vida. 

Prefeitos & Governantes – Há algumas empresas que têm tecnologia para fazer o atendimento em UTI neonatal, porém são pouco vistas pelo poder público. Encontram dificuldade para investimentos nesse setor. Nesse sentido, o que a senhora verifica que é mais necessário fazer nos municípios?

Mara Gabrilli – A tecnologia une os melhores especialistas e essa conexão deve cumprir o seu propósito. Temos que chegar, de fato, lá na ponta, em que realmente precisa. Creio que o maior gargalo enfrentado é exatamente este: democratização de acesso. Com o avanço das conexões rápidas, isso deve, paulatinamente, ser amenizado e o acesso ampliado. 

Segundo dados do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (Saúde Digital Brasil), ajudar a quebrar as barreiras de acesso, envolver menores custos operacionais e exigir menos burocracia para execução, em um país em que saúde é um produto de demanda extremamente reprimida, são pontos favoráveis para o crescimento dos investimentos.  

Prefeitos & Governantes – A Telessaúde é uma constante agora, porém muitos estados ainda não conseguiram se adaptar. São Paulo, por exemplo, está com muita dificuldade ainda nesse sentido e é um dos estados mais ricos do país. O que falta para que efetivamente isso aconteça de verdade?

Creio que toda nova tecnologia precisa vencer barreiras e se adaptar aos entraves encontrados durante o uso. E a pandemia exigiu de nós uma série de adaptações e com a telessaúde isso não foi diferente. Você citou São Paulo e muito me orgulha saber que o  

SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) já conta com 450 ambulâncias equipadas com equipamentos para tele-eletrocardiograma. A utilização desses mecanismos em todo o país significaria uma redução dos casos de enfarte de 12% para 8% no país. Por outro lado, me choca saber que o Brasil ainda tem 18% dos postos de saúde sem conexão à internet, segundo a pesquisa TIC Saúde 2019, divulgada hoje pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Creio que o grande desafio de um país continental como o nosso é exatamente este, garantir e ampliar acesso. 

Prefeitos & Governantes – Mudando um pouco de assunto, para você, os acidentes de trânsito são a principal causa de pessoas com deficiência no país?

Mara Gabrilli – A violência no trânsito é uma das principais causas evitáveis de deficiência. Estamos exatamente no mês de maio, mês em há projetos e iniciativas para reduzir acidentes de trânsito e evitar mortes conhecido como Maio Amarelo. Eu mesma fiquei tetraplégica em 1994 após um acidente em uma estrada. O Movimento Maio Amarelo é mundial e teve início em 2011, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou a Década de Ação para Segurança no Trânsito. A proposta é chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito em todo o mundo. A campanha usa a cor amarela em referência ao sinal de advertência no semáforo, que simboliza a atenção necessária para a causa.

Os últimos dados que temos sobre acidentes de trânsito e pessoas com deficiência estão defasados, são de 2019, mas ainda balizam as nossas percepções. Entre os anos de 2009 e 2019, o Seguro DPVAT pagou 4,5 milhões de indenizações a vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional. Deste total, 3,2 milhões foram para pessoas que ficaram com deficiências permanentes, sendo que 75% dos indenizados (2,5 milhões de pessoas) estiveram envolvidos em ocorrências com motocicletas. Somente no primeiro semestre de 2019, mais de 155 mil indenizações foram pagas, 103 mil para pessoas que ficaram com deficiências permanentes.

Os dados mais recentes da Polícia Rodoviária Federal mostram que o número de acidentes tem se mantido constante no país nos últimos anos. Em 2021, foram 64.518 acidentes, com 71.804 pessoas feridas e 5.393 mortas. No primeiro trimestre de 2022 ocorreram 14.976 acidentes nas rodovias federais do Brasil, o que corresponde a 23% do total do ano anterior. Esses acidentes resultaram em 17.115 pessoas feridas e 1.283 mortas. 

O que mais me preocupa é que além das sequelas deixadas pelos acidentes de trânsito, ainda há pouco acesso à reabilitação. São Paulo é referência no assunto, mas o Brasil de forma geral ainda não possui uma ampla rede de centros de reabilitação de alta complexidade para promover a recuperação que tantas pessoas precisam. A maioria das pessoas ainda precisa sair da sua cidade ou do seu estado para poder reabilitar-se. Isso impacta a família toda.

Precisamos nos empenhar em formas de reduzir os acidentes, como utilizar passarelas e faixas de pedestres, respeitar a sinalização, realizar ultrapassagens seguras, não misturar álcool e direção, proteger os mais vulneráveis no trânsito e adotar regras de direção defensiva. Sem um conjunto de medidas eficazes, infelizmente, veremos aumentar essas tristes estáticas. Quero inclusive fazer um alerta sobre o perigo do uso de celular ao volante. Nos meus deslocamentos fico chocada com a imprudência das pessoas ao manejarem o telefone sem olharem para frente, estão distraídas pelas telas, pelas mensagens que chegam. Precisamos de uma ampla e urgente campanha de conscientização envolvendo os riscos da direção e do uso do celular ao volante. 

Prefeitos & Governantes – Quais são as políticas públicas necessárias para que esse dado venha a diminuir nos municípios?

Mara Gabrilli – Educação, conscientização e campanhas. Creio que os três eixos devem andar juntos e se tornarem politicas permanentes. É preciso ir além de um mês, como o Maio Amarelo, para reforçar esses conceitos e modificar posturas. 

Mobilidade

Prefeitos & Governantes – Como você enxerga a mobilidade urbana na cidade de São Paulo, principalmente para pessoas com deficiência?

Mara Gabrilli – Costumo dizer que deficientes são as cidades que não foram preparadas e pensadas para atender todas as pessoas, todos os cidadãos de forma igualitária. E meu trabalho diz respeito a todo mundo. Embora no princípio da minha carreira política eu ficava muito centrada nas questões das pessoa com deficiência, quem colhe os frutos é toda a população. Uma cidade com calçadas melhores, com semáforos sonoros, com meios de transporte mais seguros atende a todos com mais qualidade. O envelhecimento da população brasileira já é uma realidade, como aponta a última pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar disso, o país não está se preparando para enfrentar as consequências desse fenômeno nas próximas décadas. E se as políticas públicas não melhorarem, sofreremos todos.

Quando as cidades e os serviços são acessíveis, o impacto de uma deficiência é infinitamente menor. Uso meu próprio exemplo para provar isso: tenho uma deficiência severa, mas sou uma pessoa produtiva. Isso só é possível porque tenho acesso a tecnologias e recursos, inclusive humanos – como uma cuidadora – que me possibilitam fazer tudo. Isso mostra que a deficiência está muito mais no meio que na própria pessoa.

Prefeitos & Governantes – Quais são os gargalos? Acredita que falta investimento ou os recursos são pouco direcionados para a área?

Mara Gabrilli –  Como perita da ONU no Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cargo que exerci até dezembro do ano passado, estive em contato com as políticas de outros países e pude comparar o que fazemos no Brasil com as demais nações. Posso afirmar que estamos no meio do caminho. Claro que é um árduo processo, mas quero crer que há uma evolução. Um dos meus maiores temores é que essa evolução aconteça mais lentamente do que a nossa população precisa e que Brasil pague um preço muito alto, pois vai acumular pessoas doentes, carentes, com diferentes graus de deficiência e sem saber quem vai cuidar delas. As pessoas serão na velhice o produto de tudo que aconteceu na sua vida antes e nós estamos envelhecendo com pobreza e crescente desigualdade. 

Ainda falta conhecimento sobre o tema acessibilidade de uma grande parte de nossos gestores públicos. Se a gente pensar em municípios menores, a ausência de políticas públicas para a população com deficiência é recorrente. Ou seja, isso não é fruto apenas de falta de atitude, mas também falta de conhecimento no que diz respeito às políticas de acessibilidade.

Edição: Diana Bueno

Entrevista realizada em parceria com a assessoria

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